quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Adendo à décima sétima aula: antinormatividade


TEMA – ANTIJURIDICIDADE (PRIMEIRA PARTE):

Antes de estudarmos a Antijuridicidade, reavivemos nossa memória a respeito de Antinormatividade e Teoria da Tipicidade Conglobante.

1) Entendendo a antinormatividade: 

Um aluno dias destes perguntou no Orkut: “Tipicidade Conglobante (Zaffaroni): na tipicidade conglobante, Zaffaroni adota o modulo do tipo total injusto? Antinormatividade e Antijuricidade são termos sinônimos? Existe diferença? Fundamente.”

Respondi: “bem, você precisa diferenciar a antijuridicidade e antinormatividade na visão conglobante.

Pelo que eu entendi das idéias de Zaffaroni, antijuridicidade e antinormatividade conglobante (que iria além do conceito tradicional de antinormatividade) não são termos sinônimos porque para este penalista a antijuridicidade pressupõe sempre a antinormatividade, mas a antinormatividade nem sempre pressupõe a antijuridicidade.

Ele diferencia tipicidade penal, de tipicidade (ou atipicidade) conglobante.

Na visão clássica, ambos os institutos (antijuridicidade e antinormatividade) seriam sinônimos. Mas, adotando-se a antinormatividade conglobante de Zaffaroni, conforme destaca Luiz Flávio Gomes, a tipicidade seria fruto da tipicidade formal + tipicidade material (são as mesmas t. penal e t. conglobante acima).

Tudo parece mesmo remeter à teoria dos elementos negativos do tipo, onde a antijuridicidade perde a sua autonomia, fazendo parte da tipicidade conglobante. Pois a tipicidade conglobante parece misturar antijuridicidade com tipicidade.

Mas não me animo a dizer que Zaffaroni adotou a teoria dos elementos negativos do tipo, como adiante responderei.

É bom que se destaque que essa distinção entre antijuridicidade e antinormatividade vem desde Welzel... "Para Welzel, 'toda realização do tipo de uma norma proibitiva é certamente antinormativa, mas nem sempre antijuridica' - Apud Cezar R. Bitencourt, Tratado de Dto Penal, Vol. 1, 14a. ed. - Saraiva, 2009, p. 314).

Ou seja, essa tipicidade conglobante de Zaffaroni já não era novidade nenhuma para Welzel.

A grande novidade que Zaffaroni apresenta é a distinção entre normas em que se ordena uma conduta aparentemente antijuridica, daquelas que apenas permitem uma realização.

O oficial de justiça, a quem o juiz determina que arrombe portas e janelas para cumprir o mandado age no estrito cumprimento de um dever legal. Estamos diante de uma norma que impele, obriga uma atuação, que não pode ser antijurídica e porque a norma obriga o Oficial a assim proceder, teríamos mais que excludente da antijuridicidade, uma excludente de tipicidade.

O cidadão que furta jóia caríssima para vender e comprar remédio para o filho muito doente, age na permissão da lei, não compelido por ela. Estaríamos diante de uma excludente da antijuridicidade.

Sobre a sua primeira pergunta, confesso que não tenho uma idéia formada (vou aguardar quem tenha mais luzes, mais conhecimentos), isso porque o tipo total do injusto tem a ver com a teoria dos elementos negativos do tipo, idealizada por Merkel (1889), desenvolvida por Frank e Radbruch, que teve em Baumbarten a sua mais acabada elaboração (histórico feito por Paulo Queiroz, Direito Penal, Saraiva).

O tipo total do injusto compreende a descrição da lesão ao bem jurídico + fundamentos positivos da tipicidade (descrição do comportamento proibido) e os fundamentos negativos da antijuridicidade (ausência de causa de justificação) - Cirino Santos.

Em que pese Zaffaroni se debruce sobre o conceito de tipicidade conglobante, ele não chega ao ponto de estabelecer explicitamente uma tipicidade negativa, até porque esclarece em sua obra que não se deve confundir tipo com tipicidade, pois tipo é assunto ligado à lei penal e tipicidade pertence à conduta. Aqui, sim, com razão Cirino que apresenta um modelo negativo de ação... Como sempre, à frente de todos, ele cita HERZBERG e BEHRENDT, bem como HARRO OTTO. Para estes autores, as condutas positivadas no código (matar, furtar, roubar etc) seriam justamente um modelo negativo de ação porque segundo o princípio da evitabilidade o direito ordena ao autor que evite a conduta e ele não a evita, logo quem mata sem causa justificada (p. ex.) estaria praticando um modelo negativo de ação, justamente aquilo que devia evitar, evitou a não-evitação de um resultado. (Direito Penal Parte Geral, Juarez Cirino dos Santos, Lumen Juris, 2006, pág. 93).

Lerei mais a respeito, a fim de também descobrir a resposta e, se descobri-la, postarei por aqui.

De tudo que eu disse, a única certeza que te dou é que para Zaffaroni antijuridicidade e antinormatividade NÃO SÃO SINÔNIMOS, pois ele diz em seu livro: " A tipicidade penal implica a contrariedade com a ordem normativa, mas não implica a antijuridicidade (a contrariedade com a ordem jurídica), porque pode haver uma causa de justificação (um preceito permissivo) que ampare a conduta." - Manual de Direito Penal, RT, 3a. ed., pagina 460.

E ainda arremata:

"A antijuridicidade pressupõe a antinormatividade, mas não é suficiente a antinormatividade para configurar a antijuridicidade, pois a antinormatividade pode ser neutralizada por preceito permissivo.".

Ainda a respeito da primeira pergunta, notei que na edição que eu tenho, da obra de Zaffaroni (antiga, 3a. edição, de 2001, RT), o autor sequer refere no capítulo em que trata do tipo, a respeito da citada teoria dos elementos negativos do tipo.

Logo, se for tarefa, parece ser pegadinha. Quem propôs a questão imaginou que ao se concluir que Zaffaroni tenha adotado a tipicidade conglobante, teria também adotado a teoria do tipo total do injusto, que reivindica a tese dos elementos negativos para existir.

Na verdade (ao meu ver) uma coisa leva inexoravelmente à outra.

Mas o autor sequer alude a isso em sua obra. Ele não chama as excludentes da ilicitude de elementos negativos do tipo penal. Ele propõe uma análise global da tipicidade, contemplando as normas permissivas, algumas delas ele entende que além de serem permissivas afastariam a própria antinormatividade. O polícial, por exemplo, que atua no estrito cumprimento do dever legal, essa atuação seria normativa, afastando não apenas a antijuridicidade mas a própria tipicidade.


A teoria dos elementos negativos do tipo, segundo Flavio Monteiro de Barros (ao meu ver, com total razão) representa um retrocesso, pois funde conceitos de tipo e de ilicitude, remetendo à uma doutrina pré-Beling, "não oferecendo nenhuma vantagem à sistematização do conceito de crime." - Curso a distância DVD Federal - Direito Penal Geral I - Prof. Flávio Monteiro de Barros.

Ou seja, 'o Zaffa' diferencia muito bem tipo, de ilicitude.”.

Temos dificuldades em diferenciar antijuridicidade de antinormatividade em direito penal porque o direito penal se apresenta a numerus clausus. As condutas ou são licitas ou são ilícitas. E o nosso Código Penal cuida sempre, ou quase sempre, de punir as condutas ditas ilícitas. Os exemplos citados, de que ao se agir em estado de necessidade, legítima defesa etc, estaria o agente cometendo ação antinormativa e não antijurídica, não me convence, porque eu não vejo nada de antinormativo se existe outra norma que disciplina tais situações.

Mas faz algum tempo que venho trabalhando com o exemplo do art. 128 do CP, quando se permite o aborto no caso de gravidez oriunda de estupro e se causa risco à saúde da gestante. O dispositivo orienta que a gestante procure um médico para fazer o aborto permitido. Mas e se ela mesma fizer o aborto nessas condições, responde pelo crime de autoaborto?

FBM responde que sim. José Miguel Feu Rosa dizia que não...

A meu ver tem razão Feu Rosa, porque a lei ao indicar à gestante um médico, não quis proteger o feto, alíás a lei nunca protegeu o feto nesses casos, mas sim a gestante. Como o princípio da alteridade veda a punição da auto-lesão, com mais razão a gestante não poderia ser punidade se ela mesma fizer o aborto.

Estaríamos diante de um caso genuino de conduta antinormativa mas não antijurídica.

É algo mais para se pensar.

2) Ilicitude ou antijuridicidade? São termos sinônimos?

Uma primeira corrente que não faz qualquer distinção, que são sinônimos. É a majoritária (LFG).
Porém, Francisco de Assis Toledo diz que é errado falar antijuridicidade, primeiro porque o CP somente trata de ilicitude; segundo porque a palavra é contradição em si própria pois como poderia ser jurídico e antijurídico ao mesmo tempo.
Conceito:
A) conceito analítico: é o segundo substrato do crime (Betiol). Lembrando que o primeiro é o fato típico.
B) conceito material: por ilicitude (ou antijuridicidade) entende-se a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico e ordenamento jurídico como um todo, inexistindo qualquer norma determinante, incentivando ou permitindo a conduta típica. Em suma, trata-se de conduta típica não justificada.
Não se fala apenas em fato, pois já se está no segundo substrato do crime.
Existe relação entre tipicidade e ilicitude?

3) Relação entre tipicidade e ilicitude:

1ª corrente – AUTONOMIA OU ABSOLUTA INDEPENDÊNCIA: fato típico e ilicitude não tem implicação alguma. A tipicidade não gera qualquer juízo de valor no campo da ilicitude. Ou seja, fato típico existe por si só e a ilicitude também, sem implicações mútuas.
2ª corrente – INDICIARIEDADE ou RATIO COGNOSCENDI: a tipicidade gera/desperta indícios da ilicitude. Comprovando-se que o fato é típico presume-se relativamente que é ilícito. Se desaparecer a ilicitude o fato típico permanece.
3ª corrente – ABSOLUTA DEPENDÊNCIA OU RATIO ESSENDI: o fato típico só permanece típico se for ilícito. Nasce, assim, a teoria total do injusto. Isto significa que se não for ilícito não é típico. Assim, a ilicitude é a essência da tipicidade.
4ª corrente – TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO: não se confunde com a terceira, embora chegue ao mesmo resultado. Todo tipo penal é constituído de elementos positivos e negativos. Os elementos positivos devem ocorrer para que o fato seja típico, são elementos explícitos. Os elementos negativos são os que não devem ocorrer para que o fato seja típico, são elementos implícitos. Ex: art. 121, CP – o que está explicito no tipo é “matar alguém” ou que não deve ocorrer para que o fato seja típico “legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito”.
Prevalece a teoria da indiciariedade (a segunda). Na pratica é importante para estabelecer o ônus da prova nas descriminantes. Desta forma, para a primeira corrente que tem que provar as excludentes é o réu. Ao contrário se se entende que o MP deve provar a ausência delas, aplicando-se o princípio do in dúbio pro reo, porque quando o ônus é do réu não se aplica este princípio.


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