quinta-feira, 21 de junho de 2012

Algumas orientações s/ Prescrição Penal

Prezados estudantes,

Uma grande vantagem em se usar um blog é que podemos manter contato e transmitir algumas orientações, via-blog, esclarecendo as dúvidas dos nossos alunos, mesmo após as aulas. 

Prometi em sala, pesquisar alguns assuntos s/ Prescrição Penal e trazer as respostas aqui.

PRIMEIRA DÚVIDA:

A primeira dúvida que desejo esclarecer diz respeito a uma  questão que foi mesmo objeto de estudo-dirigido, em sala:

"7 -  Existindo a prescrição penal a favor do acusado de um crime, isso faz com que desapareça o direito da vítima ou de seus familiares de perseguirem no âmbito cível indenização por danos morais e materiais? Fundamente sua resposta na doutrina pátria;".

O tema, em si, não guarda muitas complexidades. Às vezes, a maneira como algum penalista enfoca o tema em seus tratados e artigos é que acaba por complicar a compreensão.

Segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros (Direito Penal Parte Geral, v. 1, Saraiva, 6a. edição, 2008, página 634), que ao meu ver orienta de forma clara e precisa, aquela prescrição da pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória (lembram? quando o réu já condenado, com sentença condenatória transitada em julgado para a acusação e para a defesa, foge, e não é localizado para que cumpra a sua pena), mesmo sendo reconhecida essa prescrição, os familiares da vítima ou a própria vítima ainda detém o direito de perseguir indenização no campo cível.

E essa posição é bem lógica, por que uma vez condenado o réu, com trânsito em julgado, a condenação não é rescindida com a prescrição da pretensão executória, sendo que o réu ainda será considerado reincidente pelo prazo de 5 anos, caracterizando maus antecedentes e ainda essa sentença gera título executivo na área cível (pode ser objeto de execução na área cível, mesmo tendo havido prescrição penal).

Contudo, se a favor do acusado (já nem chamei de "réu", porque sequer condenado foi ainda), o juízo criminal reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, este tipo de prescrição gera uma sentença que não valerá como título executivo na área cível, nem servirá como maus antecedentes. Apagam-se, segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros, op. cit., todos os efeitos da sentença condenatória.

Simplicando mais ainda:

- na PPE: vitima e/ou  familiares ainda podem pedir indenização cível;

- na PPP: vítima e/ou familiares ficam impedidos de pedirem indenização cível SE esta causa depender de uma decisão condenatória no âmbito criminal, para que seja reconhecida como procedente.

A dúvida surgiu depois de lermos um artigo escrito por Fabiano Oldoni, disponível neste endereço virtual:

http://www.nacionaldedireito.com.br/doutrina/988/a-prescri-o-da-pretens-o-punitiva-e-a-coisa-julgada-no-c-vel

Escreve o aludido autor:

"Inicialmente, vale ressaltar a existência de dois posicionamentos a respeito dos efeitos da prescrição penal na esfera cível.

Primeiro, é de se distinguir se a prescrição foi reconhecida antes ou depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Se depois, o entendimento é de que faz coisa julgada no cível, não se discutindo mais a culpa do réu. Contudo, se a prescrição foi reconhecida antes do trânsito em julgado, aí, neste caso, a decisão proferida no processo-crime não produz efeito algum no processo civil.

De se observar, assim, que a sentença condenatória proferida em primeira instância que tiver, antes do trânsito em julgado, sua punibilidade extinta, pelo reconhecimento da prescrição retroativa, não transita em julgado.

É que ao ter sido declara extinta a punibilidade, pelo reconhecimento da prescrição retroativa, o processo-crime é como se não tivesse existido, e aquela condenação não surte efeito algum, seja principal, seja acessório, seja na seara penal, seja na cível.

Aliás, este entendimento é pacífico na doutrina.

Esclarece Celso Delmanto1 que com a prescrição retroativa da pretensão punitiva fica extinta a própria pretensão de obter uma decisão a respeito do crime. Não implica responsabilidade do acusado, não marca seus antecedentes, nem gera futura reincidência; o réu não responde pelas custas do processo e os danos poder-lhe-ão ser cobrados no cível, mas só por via ordinária.

No mesmo sentido leciona Damásio de Jesus2: No regime da Lei: 7.210/84, extinta a punibilidade pela prescrição retroativa, não subsiste a sentença condenatória para nenhum efeito, principal ou acessório (...).

Já Flávio Augusto Monteiro de Barros3 é enfático ao afirmar que na prescrição punitiva, a eventual sentença condenatória não é pressuposto da reincidência nem vale como título executivo na área cível. Também não servirá como maus antecedentes. Em suma, apagam-se todos os efeitos da sentença condenatória.".

Na minha modesta opinião, com todo respeito ao articulista, o trecho sublinhado, acima, ficou algo confuso para o leigo. 

Isso, para não dizer, equivocado, data venia.

Porque o autor parece defender justamente o contrário do que o penalista Flávio Augusto Monteiro de Barros (e demais penalistas) sustentam s/ o tema. Ele (Fabiano Oldoni), doutrina que a prescrição reconhecida depois do trânsito em julgado (que para mim só pode ser a PPE) faz coisa julgada no cível, não mais se discutindo culpa do réu. Mas a doutrina penal pátria defende o oposto, que se ocorrer prescrição penal depois do trânsito em julgado, que  só pode ser prescrição da pretensão executória, esta não pode impedir a busca de ressarcimento dos danos, não gera efeitos no âmbito cível.

Faço questão de reproduzir a doutrina do Flávio Augusto M. de Barros, ipis litteris:

"Na prescrição punitiva, a eventual sentença condenatória não é pressuposto da reincidência nem vale como título executivo na área cível. Também não servirá como maus antecedentes. Em suma, apagam-se todos os efeitos da sentença condenatória.

Já a prescrição executória, que, como vimos, ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é decretada pelo juiz da execução. De sua decisão é cabível o agravo de execução. A condenação, porém, não é rescindida, valendo ainda como maus antecedentes e título executivo na área cível." (Op. cit., pág. 634).

Ou seja, Flávio Augusto Monteiro de Barros sustenta justamente o contrário do que escreve Fabiano Oldoni em seu artigo, pois para mim, "fazer coisa julgada" é o mesmo que ter eficácia de título executivo, no caso uma sentença criminal no âmbito cível.

Resumindo e já pondo fim à celeuma: a prescrição da pretensão executória (antigamente chamada indevidamente de prescrição da pena) NÃO impede que se busque indenização no âmbito cível. Já as formas de prescrição da pretensão punitiva, impedem, se uma decisão condenatória no campo penal era condição sine qua non para que se conseguisse uma indenização no cível.

 

SEGUNDA DÚVIDA:

Sobre o correto sentido do caput do artigo 110 CP, in fine:

"Art. 110. A prescrição depois de trânsitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente."

Se o prazo que vai aumentar 1/3 é o da prescrição do novo crime que o agente vier a cometer ou do crime que acabou de ser condenado.

Exemplo: João cometeu um crime de furto simples, cuja pena vai de 1 a 4 anos de reclusão.

Trabalhávamos com a possibilidade desse crime, pela pena máxima em abstrato, prescrever em 8 anos (109 CP).

Eis que ele foi condenado a 1 ano de reclusão, MAS o juízo reconheceu em sua sentença que ele era reincidente.

João foge, sem se apresentar para cumprir a pena que transitou em julgado, e durante essa fuga, comete mais um crime de furto simples.

O acréscimo de 1/3 da prescrição valerá pro primeiro crime, ou para o segundo?

Repondo: valerá pro primeiro crime.

Devo utilizar-me da pena de 1 ano (não mais quatro anos, porque para o primeiro crime valerá a pena em concreto), submetê-la à regra do 109 CP, prescreveria em 4 anos acrescidos de 1/3 (4 anos + 1 ano e 4 meses = 5 anos e 4 meses).

Aqui eu mesmo laborava em erro, porque julgava que era o prazo prescricional do novo crime que seria acrescido de 1/3, mas não é. É o prazo do crime anterior.

Contudo eu alerto para um detalhe importante: esse aumento só valerá para uma eventual análise futura da prescrição. Porque para a análise da prescrição da pretensão punitiva, enquanto o juízo ainda não tinha reconhecido essa reincidência em sua sentença condenatória, não vale o acréscimo de 1/3 (vide Súmula 220 STJ).

Ou seja, esse reconhecimento de reincidência do réu, só afetará com acréscimo de prazo, a chamada prescrição intercorrente (há alguns julgados nesse sentido) e a prescrição da pretensão executória. Contudo, não servirá para aumentar o prazo da prescrição retroativa, caso a sentença do réu tenha sido modificada, suponhamos, por uma pena menor (exemplo: naquele caso do furto, imaginem se o TJ reconhecesse uma causa de diminuição de pena, reduzindo a pena do furto para menos de 1 ano, a prescrição caíria pra 3 anos, sendo que p/ este prazo prescricional não poderia ter acréscimo de 1/3).

Notem, caros alunos, que diferentemente do caput do 110 CP, aquele prazo do artigo 117, inciso VI, CP, quando o Código Penal determina que haverá interrupção do prazo prescricional devido à reincidência, neste caso, vale a reincidência do segundo crime, sendo que há uma celêuma doutrinária a respeito de qual o momento em que se interrompe a prescrição no caso do 117, VI, CP, se o da prática do novo delito ou da sentença condenatória que reconhece a prática do ilícito (vide Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, Cezar Roberto Bitencourt, 14a. edição, Saraiva, pág. 788).

Na minha opinião é a data da prática do novo crime que faz interromper a prescrição.

Logo, segundo Cezar R. Bitencourt,  a reincidência tem dois efeitos: "aumentar o prazo prescricional (art. 110, caput) e interromper o seu curso (art. 117, VI)." (Op. cit., pág. 788).

Segundo este penalista, o aumento do prazo prescricional (110, caput, CP) já foi inclusive admitido em jurisprudências, vejam vocês, também em se tratando da prescrição intercorrente. Ou seja, naquele caso do agente que comete furto, valeriam os 5 anos e 4 meses a partir do momento que a sua defesa protocolizasse recurso de apelação.

 

TERCEIRA DÚVIDA:

 Não é nem uma dúvida, é mais um complemento.

Dissemos em aula, que uma vez transitada em julgado uma sentença penal que condenou um réu apenas à pena de multa, já não vale mais o prazo prescricional do art. 114, I, CP, mas sim, por força do art. 51 CP (que estabelece que multa é dívida de valor), o prazo do CTN - Código Tributário Nacional, sendo esse prazo de 5 anos para a Fazenda Pública cobrar a dívida. Tal prazo está previsto no art. 173 do CTN (fundamento doutrinário: DIREITO PENAL PARTE GERAL, Vol. 1, André Estefam, Saraiva, 2010, pág. 473).

É isso, espero ter ajudado.

...

 

EM ADENDO...

Caros Estudantes, 

O Prof. Fabiano Oldoni fez importante esclarecimento sobre seu artigo, em nota, o qual reproduzirei aqui na íntegra:

 

" Caro André, penso não ter compreendido o meu raciocínio.

Quando tratei da prescrição, assim o fiz exclusivamente com base na prescrição da pretensão punitiva, e não na pretensão executória.

A prescrição da pretensão punitiva pode ser reconhecida tanto antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória como após.

Será antes do trânsito em julgado, quando, em grau de recurso, se reconheça a prescrição punitiva. Neste caso poderá ter havido o trânsito para a acusação, porém como o acusado recorreu, a sentença ainda não transitou em julgado para ambas as partes. Ocorrendo esta situação, a sentença penal condenatória não fará coisa julgada no cível, pois ela não chegou a transitar em julgado, pois fulminada pela prescrição.

Contudo, pode acontecer que a prescrição da pretensão punitiva seja reconhecida após o trânsito em julgado da sentença para ambas as partes. Esta prescrição não é a da pretensão executória, pois leva-se em conta o período anterior ao trânsito em julgado (mais precisamente do recebimento da denúncia até a sentença de primeiro grau ou da sentença até o acórdão). Essa prescrição pode ser reconhecida inclusive pelo juízo da execução penal, porém, repito, não é prescrição da pretensão executória.

Neste caso é que sustento que haverá coisa julgada no cível, pois a sentença condenatória transitou em julgado e a prescrição terá efeito apenas no campo penal, já que reconhecida após a sentença transitar em julgado. Por isso do artigo que escrevi, para diferenciar estes dois momentos.

Quanto a prescrição da pretensão executória, é tranquilo que ela não impede a coisa julgada no cível.

Espero ter colaborado com o colega.

Abraços.

Prof. Msc. Fabiano Oldoni"

...

Em resposta ao Prof. Fabiano:

"Prezado Professor Fabiano Oldoni,
Agradeço imensamente o zelo do colega em vir no meu blog prestar esse esclarecimento, o qual manterei aqui para conhecimento dos meus alunos e de quantos acessam o blog.
Penso que com seu esclarecimento, conseguimos todos compreender a extensão das suas ideias e saímos enriquecidos com este novo conhecimento.
Reproduzirei suas palavras no corpo do meu texto para que estejam mais visíveis.
Att.
Prof. André Greff."

 

3 comentários:

  1. Caro André, penso não ter compreendido o meu raciocínio.

    Quando tratei da prescrição, assim o fiz exclusivamente com base na prescrição da pretensão punitiva, e não na pretensão executória.

    A prescrição da pretensão punitiva pode ser reconhecida tanto antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória como após.

    Será antes do trânsito em julgado, quando, em grau de recurso, se reconheça a prescrição punitiva. Neste caso poderá ter havido o trânsito para a acusação, porém como o acusado recorreu, a sentença ainda não transitou em julgado para ambas as partes. Ocorrendo esta situação, a sentença penal condenatória não fará coisa julgada no cível, pois ela não chegou a transitar em julgado, pois fulminada pela prescrição.

    Contudo, pode acontecer que a prescrição da pretensão punitiva seja reconhecida após o trânsito em julgado da sentença para ambas as partes. Esta prescrição não é a da pretensão executória, pois leva-se em conta o período anterior ao trânsito em julgado (mais precisamente do recebimento da denúncia até a sentença de primeiro grau ou da sentença até o acórdão). Essa prescrição pode ser reconhecida inclusive pelo juízo da execução penal, porém, repito, não é prescrição da pretensão executória.

    Neste caso é que sustento que haverá coisa julgada no cível, pois a sentença condenatória transitou em julgado e a prescrição terá efeito apenas no campo penal, já que reconhecida após a sentença transitar em julgado. Por isso do artigo que escrevi, para diferenciar estes dois momentos.

    Quanto a prescrição da pretensão executória, é tranquilo que ela não impede a coisa julgada no cível.

    Espero ter colaborado com o colega.

    Abraços.

    Prof. Msc. Fabiano Oldoni

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  2. Prezado Professor Fabiano Oldoni,
    Agradeço imensamente o zelo do colega em vir no meu blog prestar esse esclarecimento, o qual manterei aqui para conhecimento dos meus alunos e de quantos acessam o blog.
    Penso que com seu esclarecimento, conseguimos todos compreender a extensão das suas ideias e saímos enriquecidos com este novo conhecimento.
    Reproduzirei suas palavras no corpo do meu texto para que estejam mais visíveis.
    Att.
    Prof. André Greff.

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  3. Professor, quero recomendar meu blog fabianooldoni.blogspot.com.br.
    Abços.
    Fabiano Oldoni

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