domingo, 18 de maio de 2014

Dúvida de estudante (2)

Indagou-me um aluno por email, se lei processual penal nova pode retroagir para BENEFICIAR o réu.

Pois nas minhas aulas sempre ensinei que lei penal nova pode retroagir, desde que para beneficiar o réu.

O tema é de processo penal e não de penal, contudo, devemos estar atentos à interdisciplinariedade entre essas ciências, e, para sanar dúvida, direi o seguinte:

Em se tratando de LEIS PROCESSUAIS PENAIS são outras regras, DIFERENTES das do direito penal.

Há algumas correntes para solução de conflitos de leis processuais penais que se sucedem no tempo:

PRIMEIRA CORRENTE = A LEI PROCESSUAL QUE INICIA UM PROCESSO O REGERÁ ATÉ O FIM : não é aceita no nosso ordenamento.

SEGUNDA CORRENTE = A LEI PROCESSUAL QUE INICIOU UMA FASE DO PROCESSO, REGERÁ ESSA FASE ATÉ O FIM : também não é aceita.

* aqui é complicado, porque um aluno de segundo ano ainda não conhece processo penal, nem as fases do processo penal...

TERCEIRA CORRENTE = SISTEMA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS / PRINCÍPIO DO EFEITO IMEDIATO / PRINCÍPIO DO "TEMPUS REGIT ACTUM" : é o sistema adotado no Brasil, vide artigo 2 do CPP.

Ou seja, meus caros alunos, em PROCESSO PENAL A LEI PROCESSUAL PENAL NÃO RETROAGI, MESMO QUE MAIS BENÉFICA PRO RÉU...

Ou seja, é o oposto do direito penal... Em que retroage!

Logo,  em provas, concursos, responda sempre o seguinte: que a regra do direito penal é diferente da do processo penal, em se tratando de retroatividade de leis penais... Se no direito penal sempre retroage a lei penal mais benéfica (exceção p/ leis penais excepcionais ou temporárias), no processo penal não acontece assim. Uma lei processual penal, ainda que mais benéfica, não retroagirá para abranger ato processual já praticado sob a vigência de lei anterior.

Contudo, há exceções, ATENÇÃO:

Quando as normas processuais penais tiverem CONTEÚDO MISTO, ou seja, uma mistura de norma PROCESSUAL PENAL com DIREITO PENAL (também chamadas de normas HETEROTÓPICAS ou NORMAS PROCESSUAIS PENAIS DE EFEITO MATERIAL OU PENAL), nesse caso PODE RETROAGIR.

Cito exemplos:

- O artigo 366 do CPP (no artigo acima, explico melhor): tem um misto de norma penal com norma processual penal... Quando esse artigo surgiu no CPP, trouxe muita polêmica. Antes desse artigo surgir, um réu que fugisse, sem ser citado de sua ação penal, poderia ser processado, julgado e condenado à revelia... Quando ele aparecesse, só lhe restaria CUMPRIR SUA PENA... O artigo 366, com nova redação, colocou fim nisso: hoje, o réu que some, desaparece, sem ser citado de sua ação, o processo fica suspenso (aqui a norma é de processo penal), mas a prescrição fica suspensa também (aqui a norma é de direito penal). Por ser de conteúdo misto, quando essa mudança ocorreu, houve quem defendesse (Prof. LFG) que a parte material deveria retroagir para beneficiar o réu... Ou seja, o processo ficaria suspenso e a prescrição continuaria correndo.
* Isso não foi aceito, estudaremos quando analisarmos PRESCRIÇÃO PENAL...

- Artigo 89, da lei 9.099/95, lei dos juizados... Essa lei e esse artigo, vieram autorizar o MP a propor suspensão condicional do processo. Por ser norma de conteúdo misto (processo e penas alternativas), retroagiu para casos anteriores...

- Artigo 225 do  CP: é norma penal, está no CP, mas tem conteúdo processual penal também. Naqueles casos de crimes de estupro (por exemplo) em que antes da mudança desse artigo, se exigia a autorização dos pais da vítima ou da vítima para processar o réu, mesmo após a lei, se o réu tivesse cometido o crime antes dessa mudança, valia a lei anterior que exigia essa autorização de processamento ou representação da vítima.

Ou seja, amigos, em regra, lei processual penal não retroage, exceto normas heterotópicas. Também acho importantíssimo que os nossos alunos MEMORIZEM o seguinte: se no direito penal não se admite interpretação de lei contra o réu, NO DIREITO PROCESSUAL PENAL SE ADMITE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA CONTRA O RÉU.

Isso é pacífico na doutrina e na jurisprudência.

Ou seja, surgindo uma lei processual penal nova, que prejudique um acusado de um crime, ele que se prepare para tempestades, pois a princípio é a lei mais severa que vai ser aplicada ao seu processo, se ainda não estiver finalizado.

É isso que eu tinha a esclarecer e dividir com todos.

Obrigado a quem indagou, pois me deu a chance de enriquecer nosso aprendizado.




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