quinta-feira, 8 de agosto de 2013

E EIS QUE ABORTAMENTO VIRA "PROFILAXIA DA GRAVIDEZ"!

Eu fico espantando com a capacidade do legislador de criar termos eufemísticos para determinadas coisas que, há anos, as pessoas só têm um nome para aquilo.

Refiro-me ao ABORTO e ao ABORTAMENTO.

Aborto é a eliminação da vida do feto, feita enquanto ainda não se iniciou o parto (rompimento do saco amniótico ou primeira incisão cirúrgica, nos casos de parto natural ou de cesariana, respectivamente).

Há o ABORTO CRIMINOSO e há o ABORTO NECESSÁRIO ou  SENTIMENTAL, estes permitidos por lei, artigo 128 do Código Penal pátrio.

O aborto necessário, quando a gravidez causa graves e sérios riscos de vida à gestante e o aborto sentimental, quando a mesma foi vítima de estupro e seu estuprador a engravidou.

Correto?

Bom, rs, eis que vem a nova lei 12.845, de 1.8.2013 e passa a definir o ato do abortamento sentimental com a eufemística expressão "profilaxia da gravidez"!

Vejamos a nova lei:

"LEI FEDERAL Nº 12.845, DE 1º DE AGOSTO DE 2013


A     P R E S I D E N T A     D A     R E P Ú B L I C A

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.
Art. 2º  Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida.
Art. 3º O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:

I - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas;
II - amparo médico, psicológico e social imediatos;
III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;
IV - profilaxia da gravidez;
V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST;
VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia;
VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.

§ 1º Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que deles necessitarem.
§ 2º No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal.
§ 3º Cabe ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do agressor.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 1º de agosto de 2013; 192º da Independência e 125º da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Alexandre Rocha Santos Padilha
Eleonora Menicucci de Oliveira
Maria do Rosário Nunes".

Fonte: Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 2 ago. 2013. Seção 1, p.1.

Qual o sentido da palavra PROFILAXIA? Usada nos incisos IV e V, do artigo 3o., acima?

Profilaxia é uma parte da medicina que tem por objetivo as precauções precisas para preservar das doenças, segundo verbete do dicionário Caldas Aulete.

Então, o feto oriundo de um estupro, segundo o legislador brasileiro, é o mesmo que uma DOENÇA!

Certo?

Porque usaram a mesma expressão "profilaxia" tanto pra "doenças sexuais", como pra "gravidez oriunda de crime sexual".

A minha preocupação para com o uso dessa expressão, em substituição do termo já em uso (abortamento) nasce da minha suspeita a respeito dos inconfessáveis, mas bastante óbvios, desejos do Governo Federal, de descriminalizar de vez qualquer forma de abortamento.

Uma vez que o feto, oriundo de um estupro, passa a ser passível de uma "profilaxia" e não de um abortamento, tenho para comigo que há uma espécie de "coisificação" do feto, de qualquer feto.

Coisificação, de acordo com um dicionário virtual no qual eu consultei, é:


"Ato de coisificar; tratar como coisa; redução;

'...deixando-o completamente desmotivado e contribuindo para a sua miserabilidade e coisificação.' ".

Se foi proposital o uso de um suposto eufemismo, tal uso foi infeliz, porque pode levar as pessoas a passarem a ver os fetos como coisas! Passíveis de uma profilaxia.

Qualquer feto.

Sem direito que lhe assegurem a vida, antes do parto.

Sempre me posicionei contra o aborto, seja por convicções legais, seja por convicções religiosas. Mas, o estado é laico e um Professor de Direito jamais deve fazer uso de opiniões religiosas para justificar suas opiniões jurídicas.

Contudo, certa vez mostrei aos meus alunos aquele famoso filme, O Grito Silencioso. Muitos alunos viram o que é, de verdade, o crime de abortamento e concordaram que essa conduta deve mesmo ser incriminada. Mas houve pelo menos duas alunas que reclamaram, no sentido de que eu deveria ter mostrado também algum material favorável ao aborto, fora daqueles casos que a lei permite.

Com muita paciência, expliquei que eu não podia fazer isso, porque sendo o aborto, crime, eu não poderia incentivar ao crime.

As alunas não tinham culpa, porque a visão que vem sendo passada, às vezes em um nível subliminar, isso desde o ensino médio, é a de que o feto é um ser inanimado, de que é parte da extensão do corpo feminino, quando na verdade é um  ser vivo, pulsante, que inclusive interage com o mundo exterior quando incentivado a isso.


Já com relação ao aborto sentimental e o necessário, mesmo eu sendo contrário sob uma ótica religiosa, sou favorável pela ótica jurídica. Solidarizo-me com as centenas de milhares de mulheres que já foram violentadas e muitas que, infelizmente, engravidaram de seus estupradores.

É justo que elas tenham o direito ao abortamento.

A mesma coisa é o aborto necessário, inclusive quando o feto é anencéfalo.

Contudo, mesmo nesses casos, opta-se pelo mal menor. E jamais, jamais poderemos chamar um feto de doença, ou de coisa. Porque se o denominarmos assim, mesmo quando se tratar de um feto advindo de um estupro, estaremos coisificando todos o nascituros.

No filme O Grito Silencioso, tudo começou assim. Os médicos aborteiros não viam o feto com um ser vivo, mas como "coisa". Inclusive quando tinham de extrair a "cabeça" do feto (que não passava pela mangueira de sucção e tinha de ser quebrada com uma pinça de pólipo e extraída manualmente) segundo o Dr. Bernard N. Nathason, referiam-se à cabeça do feto: - Já extraiu o "número 1"?

Resumindo, vejo com extrema preocupação o uso dessa expressão "profilaxia da gravidez", que traz em seu bojo uma filosofia, cujos fins só podemos lamentar, se são mesmo os que pensamos, um deles, entre outros, o de abrir caminho para a permissão de qualquer tipo de abortamento no Brasil.

Que acham disso?



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