domingo, 6 de abril de 2014

AS FASES DE APLICAÇÃO DA PENA

Objetivando atualizar essa postagem, subo esse tópico, revisto.

A doutrina clássica, com base na regra do artigo 68 CP, estabelece que a aplicação das penas deve obedecer a 3 fases:

•Na primeira fase o juiz fixa a PENA-BASE;
•Na segunda fase ele utiliza todas as ATENUANTES e/ou AGRAVANTES para realizar um novo cálculo aumentando ou diminuindo a pena;
•Na terceira fase ele observa se há CAUSAS DE DIMINUIÇÃO ou AUMENTO de pena.
No tocante a esse tema, ao meu ver, o ilustre penalista Luiz Flávio Gomes tem doutrinado de forma impecável. Para este autor a aplicação das penas deve obedecer nove fases:
1a. Escolha da pena quando alternativas (pois há crimes que possuem penas alternativas, tipo 135 CP, e o critério será o do art. 59CP para escolher uma ou outra);
2a. Fixação da pena de prisão, aqui sim, pelo critério trifásico de Nelson Hungria (pena-base, atenuantes e agravantes, causas de diminuição e de aumento, siga a ordem do 68CP);
3a. Quantificação da pena de multa, aqui pelo sistema bifásico do art. 49CP. Em que pese, eu entenda que multas que nem a do art. 33 da Lei de Drogas, que trazem limite máximo e mínimo, devem também passar pelo sistema trifásico;
4a. Aplicação de eventual efeito específico da condenação, art. 92 CP;
5a. Eventual substituição da prisão por pena ou penas alternativas (analisar os artigos 43 e 44 CP);
6a. Eventual aplicação do sursis (77CP);
7a. Fixação do regime inicial de cumprimento de pena, analisar o art. 33, parágrafo 2o. CP;
(aqui, lembro a propósito, da alteração feita no CPP pela Lei 12.736/2012, que modificou o artigo 387, no que trata da detração. Muita atenção para o parágrafo  2o, do artigo 387 do CPP : agora o juiz sentenciante deve observar se o apenado possui detração penal e já abater esse tempo da pena aplicada na condenação, o que vai influir no regime inicial a ser fixado na sentença.
Ou seja, penso eu que atualmente temos DEZ fases de fixação de pena e não mais apenas nove.)
 
8a. Deliberação sobre o direito de apelar em liberdade;
9a. Determinações finais (mandado de prisão, custas etc).
Luiz Flávio Gomes foi o único penalista que li que alertou para esta particularidade: não são 3 fases de aplicação de pena, são 9 (ou dez, como disse acima).
Notei que, devido a sua cultura jurídica, Luiz Flávio Gomes ensina de forma diferente o apenamento, principalmente no tocante à fixação das causas de aumento e de diminuição de pena (3a. fase do critério trifásico).
Por mais incrível que pareça, o assunto aplicação de penas é pouco discutido na internet e em comunidades de Direito Penal, e reflete diretamente nos anos (a mais) que uma pessoa ficará atrás das grades.
A meu ver, teoriza-se muito sobre crimes e pouco sobre penas no Brasil, o que além de absurdo é desumano.
No que pertine ao concurso homogêneo misto de causas de aumento (exemplo: dois roubos com arma de fogo em concurso formal), defende o ilustre penalista (Luiz Flávio Gomes) que deveria ser adotado o princípio da incidência isolada (o segundo aumento não recai sobre a pena já aumentada).
Disso divergem outros autores, entre eles o não menos ilustre André Estefam, que defende a incidência cumulativa de penas (uma incidiria s/ a outra).
No tocante ao concurso homogêneo de duas causas de aumento da parte geral, Luiz Flavio Gomes defende novamente a incidência isolada. Mas se forem de diminuição, aqui a incidência seria cumulativa.
Se houver uma causa de diminuição na parte geral e outra na parte especial (homicídio privilegiado tentado), novamente o autor defende a incidência cumulativa.
André Estefam defende a adoção do princípio da incidência cumulada, seja para causas de aumento, seja pra causas de diminuição.
Veja-se ainda que o penalista Cezar Bitencourt defende que na segunda fase de aplicação de penas, é possível a pena ficar aquém do mínimo. Diz ele que todos os autores que defendem o oposto, estão equivocados, porque fazem uma 'interpretação analógica desautorizada, baseada na proibição que constava no texto original do parágrafo único do art. 48 do Código Penal de 1940, não repetido, destaque-se na Reforma Penal de 1984' -Tratado de Direito Penal, vol. 1, Saraiva, 2009, pág. 639.
Só estes três entendimentos controversos, o do Luiz Flávio Gomes, do André Estefam e do Cezar Bitencourt já tornam o assunto extremamente interessante e polêmico, merecendo uma análise mais cuidadosa dos doutrinadores e quiçá talvez, do legislador, que deveria tornar mais claro o seu posicionamento legal. 


A visão de Luiz Flávio Gomes sobre a 3a. fase de fixação de pena

Temos as seguintes possibilidades: 
 


- CONCURSO DE CAUSAS HOMOGÊNEAS DE AUMENTO DA PARTE ESPECIAL: ambas (ou mais de duas) causas de aumento estão previstas na parte especial e não raro em um mesmo tipo penal, exemplo: art. 157, parágrafo 2o. CP;
- CONCURSO DE CAUSAS HOMOGÊNEAS DE DIMINUIÇÃO DA PARTE ESPECIAL: ambas as causas de diminuição deveriam estar contidas em um mesmo tipo penal da parte especial. Não temos mais um exemplo dessa hipótese no atual CP. Tínhamos o crime (foi revogado), do art. 221 (rapto para fim de casamento e restituição da vítima incólume, à sua família). Aqui, segundo o ilustre Professor Luiz Flávio Gomes, o juiz tinha alternativa, conforme o parágrafo único do artigo 68 CP, sendo que ou fazia apenas uma diminuição, a maior delas ou aplicava as duas, e aqui o Professor Luiz Flávio Gomes ainda defende a incidência cumulativa das causas, uma sobre a outra;
- CONCURSO HETEROGÊNEO DA PARTE ESPECIAL: teriam de ser duas causas, UMA DE AUMENTO e OUTRA DE DIMINUIÇÃO, previstas ambas na parte especial. Não temos igualmente um exemplo dessa hipótese no atual CP (ao menos que eu me lembre). Mas tínhamos no caso do rapto cometido por agente casado, que restituía a vítima, incólume, para a família. Aqui ensina LFG que primeiro incide a causa de aumento, depois a de diminuição;
- CONCURSO HOMOGÊNEO MISTO DE CAUSAS DE AUMENTO: duas causas de aumento da parte especial e duas da parte geral, por exemplo, dois roubos com emprego de arma de fogo, em concurso formal;
- CONCURSO HOMOGÊNEO MISTO DE CAUSA DE DIMINUIÇÃO: uma está na parte geral, outra na especial, tipo homicídio privilegiado tentado. Eu particularmente entendo que ambas são aplicadas, uma incide sobre a outra (tomando cuidado pra não "zerar" a pena), sendo que primeiro se aplica a da parte geral (na minha opinião) porque vem prevista antes daquela da parte especial;
- CONCURSO HETEROGÊNEO MISTO: temos uma causa de aumento e uma de diminuição, sendo que uma está na parte geral e outra na parte especial. Ambas devem ser aplicadas.

Agora, se entendi bem a visão desse penalista, veremos como o juiz deve contemplar cada hipótese, NA VISÃO DE Luiz Flávio Gomes:

- CAUSAS DE AUMENTO HOMOGÊNEAS DA PARTE ESPECIAL: temos duas causas de aumento previstas no parágrafo 2o., do artigo 157 CP (roubo com emprego de arma de fogo, em concurso, por ex.). Aqui, tem quem interprete que aquele termo "pode" do parágrafo único do artigo 68, é "deve". Neste caso, só poderia aplicar uma. Mas o Professor Luiz Flávio Gomes entende que é uma faculdade do juiz aplicar só uma, e, neste caso, a incidência teria de ser isolada (sobre a pena obtida na segunda fase, obviamente). Ensina LFG que quanto mais causas de aumento houver, mais se aproximará do máximo;
- CAUSAS HOMOGÊNEAS DE DIMINUIÇÃO DA PARTE ESPECIAL: Não tem mais exemplos dessa hipótese no código, pois as hipóteses que existiam foram revogadas. 
- CONCURSO HOMOGÊNEO MISTO:
A) TEMOS DUAS CAUSAS DE AUMENTO: dois roubos com arma de fogo em concurso formal, aqui LFG ensina que o juiz não tem alternativa, todos os aumentos incidem. Deveria ser usado o critério da incidência isolada, mas a jurisprudência segue o princípio da incidência cumulativa;
B) UMA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PARTE GERAL E OUTRA DA PARTE ESPECIAL: exemplo, homicídio privilegiado tentado: aqui defende LFG a adoção da incidência cumulativa;
- CONCURSO HETEROGÊNEO MISTO: exemplo, roubo com emprego de arma, tentado. Aqui ambas as causas incidem, o juiz não tem alternativa. Incidência cumulativa.
O que nosso aluno não pode esquecer é que boa parte dos nossos juízes penais, entende:
- Que se existem duas causas de aumento, uma da parte geral e outra da parte especial, ambas são aplicadas e uma incide sobre a outra;
- Que se existem duas causas de diminuição, uma da parte geral e outra da parte especial, por equidade, também ambas são aplicadas, sendo que uma incide sobre a outra, tomando-se o cuidado de não zerar a pena;
- Que se existem duas causas de aumento (ou de diminuição) na parte especial (ou até mais de duas), os juízes têm preferido aplicar só uma, entendendo aquele "pode" do parágrafo único do art. 68 CP, como "deve". Mas neste caso eles aplicam quase no máximo o aumento. Ou, sendo duas de diminuição, aplicam a que mais diminua a pena.
Espero ter ajudado na aprendizagem.

 

2 comentários:

  1. Ótimo texto Dr. André, parabéns. Vou relê-lo com ainda mais atenção. Faço curso com prof. LFG e realmente os ensinamentos dele são interessantíssimos. Abraço. (Rodolfo Thedy)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Thedy, apenas que ainda não tenho esse título (Dr.), um dia terei, se Deus quiser. Abração.

      Excluir