O
Declínio do Dogma Causal- Fernando Capez
A
primeira formulação da teoria do nexo causal veio com Julius Glaser, em 1858. A
teoria sustenta que é causa de resultado toda condição que tenha decidido sua
produção com independência de maior ou menor proximidade ou importância. O nexo
causal é o vínculo existente entre a conduta do
agente e o resultado por ela produzido; examinar o nexo de causalidade é
descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado
previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou um determinado fato,
faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado
gerado, isto é, verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado.
Porém esse critério deixa a desejar em algumas situações como
a que a conduta do agente mesmo se não tivesse ocorrido, não impediria o
resultado, ou na condição em que apenas as condutas unidas dos agentes, causam
o resultando, sendo irrisórias suas condutas isoladas, existindo
algumas hipóteses não relacionadas adequadamente pelo emprego da conditio sine qua non:
1ª )
Dupla causalidade alternativa: ocorre quando duas ou mais causas concorrem para
o resultado sendo cada qual suficiente, por si só, para a sua produção. Nenhuma
das duas condutas poderia ser considerada causa, pois mesmo que suprimida uma
delas, o resultado ainda assim teria ocorrido. Portanto, o causador do
resultado é aquele, cuja dose efetivamente, produziu a morte, devendo o outro
ser punido por tentativa. Não se provando qual das doses acarretou a morte,
aplica-se o in dubio pro reo,
respondendo ambos por tentativa.
2ª )
Dupla causalidade com doses insuficientes: Se as doses fossem insuficientes por
si sós para levar o resultado a morte, mas somadas acabassem por atingir o
resultado . A conduta sozinha não levaria ao resultado eliminando uma delas, o
resultado desapareceria, pois somente juntas são capazes de provocar a morte.
Ambas devem ser consideradas causa.
3ª ) O
resultado que ocorreria de qualquer modo: Se um médico acelera a morte de um
paciente terminal, não poderá ser considerado homicídio, já que suprimida a sua
conduta ainda assim a morte acabaria acontecendo. Haverá nexo causal.
4ª )
Decisões corporativas: Uma empresa, por meio de um órgão colegiado, decide
lançar um produto que provoca danos ao meio ambiente. Qualquer um dos votantes
ainda que não tivesse votado os demais teriam feito, assim o resultado teria
ocorrido.
5ª )
Cursos causais hipotéticos ou desvios de cursos causais: Vítima que fugindo de
perseguição empreendida por dois agentes, acaba por ser atropelada. Aplicando o
critério da conditio sine qua non ,
entendeu-se haver nexo causal. Se não fosse a conduta dos agentes, esta não
teria fugido, e se não tivesse fugido não teria sido atropelada.
Como
tentativa de limitar o insaciável apetite do dogma causal, foi concebida a
teoria da causação adequada. A teoria usa os critérios da probabilidade e
prossibilidade como limite ao determinismo causal. Resulta, assim, que solução
final da subsunção dependerá de uma séria de fatores normativos a estabelecer a
relevância do nexo causal. Considera-se que somente pode ser causa a conduta
que, isoladamente, tenha probabilidade mínima para provocar o resultado. Se
entre o comportamento do agente e o evento houver uma relação estatisticamente
improvável, aquele não será considerado causa deste. A teoria da condição
adequada excluiria indevidamente o nexo causal em face da improbabilidade do
resultado.
Não
parece ser a melhor solução, pois a causalidade
adequada pode vir a causar problemas dogmáticos e injustiças, como em casos em
que devido a pouca probabilidade de ocorrência deixa de se punir condutas que
deveriam ser punidas.
A
teoria da causalidade ou condição adequada é válida como questionamento da
equivalência dos antecedentes. O surgimento desta teoria parte da premissa de
que a equivalência dos antecedentes,adotada pelo código penal é muito rigorosa
no estabelecimento do nexo causal, na medida em que se contenta com a mera
relação física de causa e efeito. Mas mesmo a
teoria da causalidade valorativa, acaba por não ter caráter valorativo e se
tratar da probabilidade, ciência diversa do direito, nesses pontos perdendo
para a da imputação objetiva, que atribui responsabilidade penal sem levar em
conta o dolo do agente, já que este deve ser analisado pela imputação
subjetiva. O agente só responde se tiver causado ou incrementado risco
relevante ao bem jurídico e só responde,
no limite do risco causado, não se punindo o risco tolerado pelo estado e nem o
risco irrelevante ao bem jurídico, essa teoria é uma alternativa a causalidade.
A
conditio sine qua non nada resolve em
termos de regressus ad infinitum. O
regresso causal até Adão e Eva e a serpente do Paraíso só consegue ser evitada
pela ausência de dolo ou culpa imprescindível para a infração penal. Deste
modo, os pais só não respondem pelo crime praticado pelo filho, porque não atuaram
com dolo ou culpa em relação ao resultado, entretanto nexo causal houve,
Foi
visando a conter os excessos do dogma causal, que surgiu a teoria da imputação
objetiva: como verdadeira alternativa à causalidade. É que, com a equivalência
dos antecedentes, a parede de contenção do
jus puniende reside na imputação subjetiva: ausente o nexo normativo, não
há responsabilização do agente. Porém, a questão da imputação do resultado não
está solucionada de modo satisfatório pela teoria em vigor (equivalência de
antecedentes). Depender apenas da ausência do elemento psicológico (dolo), e do
normativo (culpa) da conduta não se afigura dogmaticamente correto e nem justo.
Não
podendo a intrigante hipótese ser resolvida pelo auxílio do nexo normativo, não
restou outra estrada, senão a de enfrentar o problema de ser injusta a própria
vinculação objetiva do resultado ao agente. O dogma da causalidade precisa ser
revisto.
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