domingo, 18 de maio de 2014

O "caso" do artigo 366 do CPP e o tema Lei Penal no Tempo


Esse pequeno artigo também poderia se intitular: "O artigo 366 do CPP e as soluções mirabolantes da doutrina e da jurisprudência", contudo, o enfoque aqui é mais para situar o estudante a respeito da lei penal no tempo.

Antigamente, quando eu lecionava essa matéria, LEI PENAL NO TEMPO, eu perdia quase uma aula toda explicando o artigo 366 do CPP, explicando como era antes da Lei 9.271/1996 e como ficou depois dela.

Era uma missão difícil, porque um aluno que tem seu primeiro contato com o Direito Penal, necessita, para entender esse artigo, de noções elementares de Direito Processual Penal.

Antes dessa lei 9.271/1996, um acusado por um crime, no Brasil, que evadisse do distrito da culpa, sem que tivesse sido ao menos citado pessoalmente para responder à sua ação penal, era citado por Edital. Um Edital era fixado no átrio do Fórum local e o juiz ainda mandava publicar cópias desse Edital em dois jornais de principal circulação na cidade e o acusado, para quem era nomeado um defensor "ad hoc", era julgado e condenado a revelia.

Quando ele aparecesse e procurasse um auxílio jurídico, seu advogado tinha uma notícia ruim pra lhe dar: que havia um mandado de prisão contra o mesmo e que só restava se apresentar à Justiça para cumprir a sua pena, pois sua sentença já tinha transitado em julgado.

Pois bem, veio a Lei 9.271/1996 e alterou tudo isso, mudando o tratamento do tema. A nova lei trouxe uma parte boa e uma parte ruim ao réu, vide artigo 366 do CPP.

A parte boa: réu que desaparece sem ser citado, seu processo fica SUSPENSO, até que o mesmo seja preso e citado, pois a justiça expedirá mandados de prisão contra ele... Ou seja, réu não é mais condenado sem que tenha sido citado de sua ação penal.

A parte ruim: a prescrição fica suspensa também.

Por quanto tempo? A lei não diz.

Se notarem, caros alunos, a redação do artigo 366 do CPP FOI ABSOLUTAMENTE INFELIZ e ninguém questiona isso, seja em livros, seja em simpósios, seja em palestras..., o que só demonstra mesmo que estamos imersos em um vácuo intelectual, em um limbo do pensamento e do bom senso.

O artigo 366 do CPP não diz (pasmem!) por quanto tempo o processo vai ficar suspenso e a prescrição, também.

Dai surgiram opiniões doutrinárias sobre isso, porque os doutrinadores... Ah! Os doutrinadores e juristas, são sempre criaturas de rica imaginação:

- Houve quem defendesse que ficariam suspensos PRA SEMPRE, o processo e a prescrição. Imaginem o caso daquele Promotor de Justiça, já velhinho, aposentado, que vê um acusado fugitivo, também velhinho, na feira de sua cidade e diz: - Você!!! Eu me lembro do seu processo, em 1997, quando você fugiu...

Ridículo, né?


- Houve quem dissesse que a parte processual penal da lei (o processo penal) deveria ficar suspensa e parte penal (prescrição penal) não, mas apenas para quem cometeu crime antes da mudança da lei e não havia sido julgado. O Professor Luiz Flávio Gomes, a meu ver, com lógica, defendeu isso. 

Quando leciono LEI PENAL NO TEMPO, explico que há uma corrente doutrinária que defende a combinação de partes de leis penais (anterior e posterior) pra beneficiar o réu, tema este, polêmico, sendo que nem todo mundo aceita esse posicionamento.

O que propôs o Professor LFG, a meu ver, corajosamente, foi que para aqueles acusados que praticaram crimes ANTES da mudança do artigo 366 do CPP e que ainda não tinham sido julgados (réus que evadiram do distrito da culpa e sequer tinham sido citados pessoalmente de suas ações penais), com o advento da Lei 9.271/199, o juiz utilizasse a parte boa da lei anterior (prescrição que não ficava suspensa, continuava correndo), com a parte boa da lei posterior (processo fica suspenso).

Pense no que isso daria: um processo penal suspenso, com a prescrição correndo a favor do réu. 

Não aceitaram esse  posicionamento, porque a Lei 9.271/1996  tratou de norma penal mista, com conteúdo penal e processual penal (heterotópica, vide artigo abaixo).

E,

- Houve a criação da doutrina e da jurisprudência, que vieram dizer que o processo deve ficar suspenso pelo prazo máximo da prescrição penal, artigo 109 CP pela máxima pena em abstrato para aquele crime ainda nem julgado e depois, correr pelo mesmo prazo.

Isso significa, amigos, que um homicídio, que prescreve em 20 anos, prescreveria em 40 anos. Pois o processo ficará parado por 20 anos e a prescrição, então, volta a correr por mais 20 anos.

FOI ESSA A SOLUÇÃO ENCONTRADA pela maioria, atualmente...

- Outra visão interessante, esposou-a o nosso STJ, por meio da Súmula 415:


O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.

Essas (muito criativas) opiniões têm amparo legal?

NÃO.

São meras invenções doutrinárias, jurisprudenciais, que emitiram tentando corrigir aquilo que não tem correção: a omissão legislativa, em não dizer CLARAMENTE no artigo 366 do CPP por quanto tempo a prescrição deve ficar suspensa.

Eu defendi o seguinte:

- Na ausência de previsão legal (SOBRE QUANTO TEMPO A PRESCRIÇÃO DEVE FICAR SUSPENSA, NO ARTIGO 366 DO CPP), eu, Professor André Luiz Carvalho Greff, Titular das Disciplinas de Direito Penal Parte Geral e Parte Especial da Uems- Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Unidade de Dourados/MS, já há 15 anos, invocando o princípio do "in dubio pro reo", na ausência de previsão legislativa e porque nenhuma das criações doutrinárias e jurisprudenciais TEM FORÇA DE LEI e que TODAS FORAM PREJUDICIAIS AOS RÉUS, defendo que a prescrição penal fique suspensa por UM SEGUNDO!

Nada mais justo, né?

Afinal, estaremos adotando o princípio, tão decantado em aulas de graduação, do "in dubio pro reo". Na dúvida sobre quanto tempo a prescrição deveria ficar suspensa, defendo que fique por 1 segundo.

Nada mais coerente, né? Ante à ausência de previsão legislativa sobre quanto tempo fica suspensa a prescrição no artigo 366 do CPP.

NÃO, não acho certo o STJ dizer que fica suspenso pelo tempo máximo da pena cominada. Isso porque o STJ NÃO É LEGISLADOR PENAL, sua Súmula fere o que dispõe o artigo 22, inciso I, da CF... Não compete ao STJ legislar em matéria penal no Brasil. Isso está errado.

NÃO, não acho certo doutrinadores penais inventarem que deve ficar suspensa a prescrição eternamente ou pelo dobro do prazo da prescrição máxima para aquele crime, porque também não são legisladores penais. Porque são doutrinadores Promotores, Juízes, até Desembargadores, mas não são Legisladores em matéria penal.

Mas, infelizmente, ainda não fui ouvido.

Bem, o que eu desejaria que meus alunos, principalmente da 2a. série, percebessem, é que no artigo 366 CPP, temos um excelente exemplo de norma penal heterotópica, um misto de norma penal (Prescrição) com processual penal (Suspensão de Processo).

E que  sempre que tivermos uma lei assim, teremos POLÊMICAS, pois uns defenderão que a parte benéfica da lei, de cunho penal, retroaja para beneficiar o réu... E a parte ruim, não retroaja para atingir réus, acusados, que cometeram crimes antes do advento da lei e não foram julgados, ainda.

Um comentário:

  1. Oi professor . Gostaria de saber mais sobre a sua opinião com relação as mudanças polemicas causadas pela alteração do artigo 366 do cpp para o meu tcc .

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