Indagou-me um aluno por email, se lei processual penal nova pode retroagir para BENEFICIAR o réu.
Pois nas minhas aulas sempre ensinei que lei penal nova pode retroagir, desde que para beneficiar o réu.
O tema é de processo penal e não de penal, contudo, devemos estar atentos à interdisciplinariedade entre essas ciências, e, para sanar dúvida, direi o seguinte:
Em se tratando de LEIS PROCESSUAIS PENAIS são outras regras, DIFERENTES das do direito penal.
Há algumas correntes
para solução de conflitos de leis processuais penais que se sucedem no tempo:
PRIMEIRA CORRENTE = A LEI PROCESSUAL QUE INICIA UM PROCESSO O REGERÁ ATÉ O FIM : não é aceita no nosso ordenamento.
SEGUNDA CORRENTE = A LEI PROCESSUAL QUE INICIOU UMA FASE DO PROCESSO, REGERÁ ESSA FASE ATÉ O FIM : também não é aceita.
* aqui é complicado, porque um aluno de segundo ano ainda não conhece processo penal, nem as fases do processo penal...
TERCEIRA
CORRENTE = SISTEMA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS / PRINCÍPIO DO
EFEITO IMEDIATO / PRINCÍPIO DO "TEMPUS REGIT ACTUM" : é o sistema
adotado no Brasil, vide artigo 2 do CPP.
Ou seja, meus caros
alunos, em PROCESSO PENAL A LEI PROCESSUAL PENAL NÃO RETROAGIRÁ, MESMO QUE MAIS BENÉFICA PRO RÉU...
Ou seja, é o oposto do direito penal... Em que retroage!
Logo,
em provas, concursos, responda sempre o seguinte: que a regra
do direito penal é diferente da do processo penal, em se tratando de
retroatividade de leis penais... Se no direito penal sempre retroage a
lei penal mais benéfica (exceção p/ leis penais excepcionais ou
temporárias), no processo penal não acontece assim. Uma lei processual penal, ainda que mais benéfica, não retroagirá para abranger ato processual já praticado sob a vigência de lei anterior.
Contudo, há exceções, ATENÇÃO:
Quando
as normas processuais penais tiverem CONTEÚDO MISTO, ou seja, uma
mistura de norma PROCESSUAL PENAL com DIREITO PENAL (também chamadas de
normas HETEROTÓPICAS ou NORMAS PROCESSUAIS PENAIS DE EFEITO MATERIAL OU
PENAL), nesse caso PODE RETROAGIR.
Cito exemplos:
-
O artigo 366 do CPP (no artigo acima, explico melhor): tem um misto de norma penal com norma processual
penal... Quando esse artigo surgiu no CPP, trouxe muita polêmica. Antes
desse artigo surgir, um réu que fugisse, sem ser citado de sua ação penal, poderia ser
processado, julgado e condenado à revelia... Quando ele aparecesse, só
lhe restaria CUMPRIR SUA PENA... O artigo 366, com nova redação, colocou fim nisso: hoje, o
réu que some, desaparece, sem ser citado de sua ação, o processo fica
suspenso (aqui a norma é de processo penal), mas a prescrição fica
suspensa também (aqui a norma é de direito penal). Por ser de conteúdo
misto, quando essa mudança ocorreu, houve quem defendesse (Prof. LFG) que a
parte material deveria retroagir para beneficiar o réu... Ou seja, o
processo ficaria suspenso e a prescrição continuaria correndo.
* Isso não foi aceito, estudaremos quando analisarmos PRESCRIÇÃO PENAL...
-
Artigo 89, da lei 9.099/95, lei dos juizados... Essa lei e esse artigo,
vieram autorizar o MP a propor suspensão condicional do processo. Por
ser norma de conteúdo misto (processo e penas alternativas), retroagiu para casos anteriores...
-
Artigo 225 do CP: é norma penal, está no CP, mas tem conteúdo processual
penal também. Naqueles casos de crimes de estupro (por exemplo) em que
antes da mudança desse artigo, se exigia a autorização dos pais da
vítima ou da vítima para processar o réu, mesmo após a lei, se o réu
tivesse cometido o crime antes dessa mudança, valia a lei anterior que
exigia essa autorização de processamento ou representação da vítima.
Ou seja, amigos, em regra, lei processual penal não retroage, exceto normas heterotópicas. Também acho importantíssimo que os nossos alunos MEMORIZEM o seguinte: se no direito penal não se admite interpretação de lei contra o réu,
NO DIREITO PROCESSUAL PENAL SE ADMITE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA CONTRA O RÉU.
Isso é pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Ou
seja, surgindo uma lei processual penal nova, que prejudique um
acusado de um crime, ele que se prepare para tempestades, pois a
princípio é a lei mais severa que vai ser aplicada ao seu processo, se ainda não estiver finalizado.
É isso que eu tinha a esclarecer e dividir com todos.
Obrigado a quem indagou, pois me deu a chance de enriquecer nosso aprendizado.
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