Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul – Uems.
Segunda
Avaliação de Direito Penal Parte Especial. Prof. André Greff. Data: 02.10.2013.
Estudante:
____________________________________________. RGM: __________.
I
- Questões de enquadramento penal: dê os enquadramentos penais, se cabíveis.
Observações:
a)
Cada questão de enquadramento respondida com acerto vale 0.5 (meio) ponto;
b)
Salvo quando a questão mencionar uma exceção, considere todos os agentes
maiores de 18 anos e penalmente capazes;
c)
ATENÇÃO! As questões abaixo solicitam enquadramentos penais. Dispensa-se
qualquer argumentação teórica extra, salvo quando se tiver de mencionar duas ou
mais opiniões doutrinárias).
1
– Tício e Mévio, que não se conheciam, eram inimigos de Astolfo. Por uma ironia
do destino, sem saber cada um o desígnio do outro, Tício e Mévio resolvem em
uma mesma noite, matar Astolfo com tiros de revólver (ambos portavam,
revólveres Taurus, calibre 38, do qual não tinham porte). Ambos puseram-se de
tocaia e com surpresa dispararam ao mesmo tempo contra a vítima. Apenas um
disparo atingiu a vítima, que veio a falecer no local. Como Tício e Mévio se
desfizeram das armas, não foi possível precisar de qual arma partiu o disparo
fatal;
R: Tício e Mévio: artigo 121, parágrafo 2º., inciso IV (surpresa e
recurso que impossibilitou defesa da vítima) c.c. artigo 14, inc. II, ambos do
CP e mais art. 14, da lei 10.826/2003, c.c. artigo 69 do CP. Comentário:
trata-se de hipótese de autoria colateral, sendo impossível precisar quem matou
a vítima. Nesse caso, a melhor doutrina (Victor Gonçalves) orienta que ambos
respondam pelo menos pela tentativa de homicídio.
2
– Márvio e Sófocles, em coautoria, decidiram eliminar a vida de Téo, de quem
ambos eram inimigos figadais. Portando cada um, revólveres Taurus, calibre 38,
do qual não tinham porte, ambos puseram-se de tocaia e com surpresa dispararam
ao mesmo tempo contra a vítima. Apenas um disparo atingiu a vítima, que veio a
falecer no local. Como Márvio e Sófocles se desfizeram das armas, não foi
possível precisar de qual arma partiu o disparo fatal;
R: Márvio e Sófocles: artigo 121, parágrafo 2º., inciso IV (surpresa
e recurso que impossibilitou defesa da vítima) c.c. artigo 29, ambos do CP e
mais art. 14, da lei 10.826/2003, c.c. artigo 69 do CP. Comentário: aqui há
coautoria e mesmo não sendo possível saber de qual arma partiu o projétil que
matou a vítima, ambos os agentes respondem por crime consumado.
3
– Patrícia engravidou de seu namorado, Renato. Não desejando filhos, Renato
convence Patrícia a procurar uma conhecida aborteira, Janete, para lhe realizar
o aborto. Contudo, ao chegarem na casa de Janete, antes de começar o aborto,
Patrícia se arrepende, mas seu namorado e a aborteira a seguram e contra a sua vontade,
realizam o aborto. Infelizmente Patrícia ficou gravemente lesionada nesse
procedimento, pois além do aborto, teve perfuração uterina;
Renato e Janete: artigo 125 c.c. 127 c.c. 29, ambos do CP.
Patrícia: atípico, pois se arrependeu antes do ato e acabou sendo
forçada ao aborto.
4
– Paolo, estudante universitário, estava fazendo uma festa em sua casa, na
verdade uma república de estudante, incomodando os vizinhos. Uma vez
denunciado, chegou no local uma viatura da Polícia Militar e levou Paolo detido.
Uma vez ouvido pelo Delegado de plantão, lavrou-se um Termo Circunstanciado
devido à perturbação do sossego alheio, contravenção penal praticada por Paolo,
e, uma vez advertido de que deveria comparecer ao Juizado quando fosse chamado,
Paolo foi liberado. Contudo, ao chegar em sua casa, Paolo não perdeu tempo e
andou escrevendo na sua página no facebook, que o Delegado que lavrou o TCO,
era corrupto e que teria lhe solicitado propina para “facilitar a sua vida”,
fatos esses mentirosos e que macularam a imagem do Delegado;
R: Paolo: artigo 138 CP. Comentário: Paolo imputou verdadeiro crime
contra o Delegado. Alguns alunos responderam que teria havido 2 crimes: 139 CP
(difamação, pois Paolo primeiro disse que o Delegado era corrupto) e depois
calúnia (138 CP), tudo em concurso formal, artigo 70 CP (outros ainda
entenderam que teria havido concurso material entre esses crimes). Na minha
visão, ambas as alegações estão compreendidas dentro de um mesmo contexto,
sendo que nesse caso haveria crime único de calúnia. O que não podia mesmo
ignorar é que houve calúnia. Em tempo, Paolo cometeu ainda a contravenção penal
prevista no art. 41, do Dec.-Lei 3.688/1941.
5
– Dois jogadores de futebol, nigerianos, foram barrados de entrar em um
restaurante em São Paulo, porque o gerente alegou que se recusa atender “negros
estrangeiros” em seu estabelecimento;
R: Gerente do restaurante: artigo 8º, da lei 7.716/1989 c.c. artigo
70 do CP. Houve dois crimes de racismo em uma só ação criminosa, isso
independente de serem as vítimas estrangeiras, concurso formal de crimes.
6
– O Dourados News, site de nossa cidade, noticiou no dia 28/09/2013, o
seguinte:
“Após briga por causa de uma menor de idade, cabo do exército atira no
próprio amigo e é preso
Uma confusão envolvendo um cabo o
exército e uma adolescente acabou com dois baleados no início da madrugada de
hoje (28) em Dourados. Segundo a polícia, o caso aconteceu por volta das 00h20,
em frente a um posto localizado na região da avenida Marcelino
Pires no cruzamento com a rua Albino Torraca.
Conforme as informações apuradas pela
Polícia Civil junto às testemunhas, o cabo Paulo André Zaratz Pinto, 39, teria
‘mexido’ com uma adolescente, que contou o fato ao namorado, também menor de
idade. O rapaz resolveu então ir junto com um amigo, também menor de idade, ir
tirar satisfações com o militar, que estava no local na companhia de Vagner de
Oliveira, 23.
Houve uma discussão e Paulo então
teria sacado uma arma e ameaçado o namorado da adolescente, e após uma confusão
ele acabou atirando no próprio amigo, Wagner, que tentava impedi-lo de fazer
justamente isso. Wagner foi atingido na região genital, e a bala que o atingiu
também acabou acertando um adolescente de 16 anos, que acompanhava o rapaz que
foi tirar satisfações por causa da namorada.
Paulo socorreu o amigo Wagner e o
levou para o Hospital da Vida, para onde o adolescente, que foi atingido na
perna, também foi encaminhado por conhecidos. Os dois permanecem internados, e
o estado de saúde de ambos é considerado grave, no entanto, eles não correm
risco de morte.
A Polícia Militar foi acionada e
esteve no Hospital da Vida, onde acabou prendendo em flagrante o cabo do
exército por lesão corporal dolosa grave. O revólver calibre 38 que estava com
ele foi apreendido. Paulo foi encaminhado para o 1º Distrito Policial, e depois
entregue ao comando do exército em Dourados. Segundo a Polícia Civil, ele já
tinha passagem por homicídio.”.
(http://www.douradosnews.com.br/dourados/apos-briga-por-causa-de-uma-menor-de-idade-cabo-do-exercito-atira-no-proprio-amigo-e-e-preso).
Dê o enquadramento penal do agente, admitindo-se que a) ninguém morreu; b) o
Cabo tinha porte de arma;
R: Paulo André – Artigo 129, parágrafo 1º., I, CP, em relação à
vítima adolescente. E, ainda: artigo 129, parágrafo 1º., I e III CP, c.c. 73 (aberratio ictus) e 70 CP.
Comentários: essa talvez tenha sido a questão mais complexa da prova. Resolvi
propô-la para aliar à teoria, um caso real, demonstrando que nossos estudos têm
uma utilidade tangível. Concordo que a notícia não deixa claro se as vítimas
ficaram mais de 30 dias sem trabalhar (apesar de que se imagina que fiquem,
pois foram baleadas), nem que ficaram com funções debilitadas, contudo o
próprio enunciado deixa claro que o agente foi indiciado por lesão grave e
nesse ponto, o Delegado que lavrou o auto de prisão em flagrante, demonstrou
grande conhecimento jurídico, isso porque se tivesse interpretado como
tentativa de homicídio, o agente talvez ficasse impune em relação ao amigo, já
que não existe tentativa de crime culposo (tentativa de homicídio culposo). O
enquadramento penal seguinte: artigo 121, parágrafo 2º., inciso IV, c.c artigo
14, II (duas vezes) c.c 70 e 73, todos
do CP, uma vez que o artigo 73 determina que o erro na execução faz com que o
agente responda como se tivesse atingido a vítima pretendida, em tese também
seria possível, pois ao meu ver, atingiu-se um amigo do agente, por erro na
execução e atingiu-se um amigo do adolescente que o agente pretendia atingir,
contudo, evitando qualquer dificuldade jurídica, lavrou-se o auto de prisão em
flagrante por lesão grave. Admiti ambos os enquadramentos, desde que completos.
Sugiro que acompanhemos qual o enquadramento da denúncia do réu. Outra coisa:
não foi crime capitulado no Código Militar, data vênia, pois o cabo praticou o
crime fora da função militar e contra um civil. Nem cabia qualquer incidência
no Estatuto do Desarmamento, uma vez que deixei claro que o agente tinha porte
de arma.
7
– Januário, embriagado, discutiu com sua esposa, Mafalda. Em um acesso brutal
de raiva, bateu na esposa, causando-lhe hematomas e não satisfeito, pasmem,
decepou-lhe a língua. Quando fez isso, ainda disse: “isso é para você aprender
a falar menos!”. Os fatos ocorreram dentro do humilde casebre do casal;
Januário: artigo 129, parágrafo 2º, incisos III e IV e parágrafo 10
do mesmo artigo 129. Comentários: eu entendo que o ato de decepar a língua de
alguém faz com que a pessoa perca a função da fala, justificando o
enquadramento no dispositivo da lesão corporal gravíssima, isso além da
deformidade. Uma lesão corporal desse tipo, não pode ser apenas grave, é
gravíssima. Desnecessário mencionar na resposta a Lei Maria da Penha, porque
mesmo sendo cabível, esse crime já é de ação penal pública incondicionada.
8
- SAULO (18 anos) resolveu matar ROBERTO (20 anos) para evitar que este casasse
com sua mãe (MARISA, de 50 anos) sob o regime de comunhão universal de bens,
pois sabia que tal pessoa queria apenas aplicar um golpe em sua genitora, que
se encontrava totalmente apaixonada pelo conquistador. Sabendo disso, FERNANDA
(20 anos), irmã de SAULO e também filha de MARISA, para fortalecer a ideia de
SAULO, imitou a caligrafia de ROBERTO e falsificou um bilhete onde este
supostamente declarava que tinha um caso com a namorada de SAULO, deixando
referido documento jogado no quarto de seu irmão. Quando leu o bilhete, SAULO
imediatamente procurou ROBERTO e lhe desferiu duas facadas no abdômen. Logo
depois, muito nervoso e crendo que a vítima já havia falecido, pois estava
inconsciente, enterrou-a em um terreno isolado. Após alguns dias, todas as
circunstâncias do crime foram elucidadas pela polícia. Foi constatado, ainda,
através do exame necroscópico que ROBERTO faleceu asfixiado, visto que foi
enterrado vivo, e que as facadas seriam insuficientes para provocarem sua
morte. Somente depois de preso é que SAULO ficou sabendo que o bilhete que lhe
deixou furioso foi falsificado por sua irmã;
Resposta: Saulo: art. 121, parágrafo 2o., III e 211 CP;
Fernanda: art. 121, caput, c.c 29, parágrafo 2o., todos do CP.
Fundamentos
doutrinários:
Acho interessante que o aluno saiba que tirei a questão
desse blog:
A questão, ao que indica, foi elaborada por um (mais um!
rs) Professor de Direito Penal, o Prof. Gecivaldo.
Em seu blog ele defende que Saulo e Fernanda respondam
por homicídio simples, e não qualificado. Sendo que eu não concordo com isso,
porque a meu ver, se o agente enterrou a vítima, responde pela asfixia a título
de dolo eventual.
Apesar de que a questão proposta suscita polêmica e vou
citar tudo que o Professor Gecivaldo escreveu em seu blog, incluindo
comentários de seguidores do blog:
“RESPOSTA:
SAULO, indubitavelmente, cometeu o crime de homicídio.
FERNANDA, sua irmã, instigou através de um bilhete falsificado o agente a
praticar o delito. Figura, portanto, como partícipe no crime referido
(participação moral). Vale ressaltar que o fato de SAULO não saber da
concorrência de FERNANDA não elimina a responsabilidade desta, visto que, no
concurso de pessoas, é perfeitamente possível ao partícipe aderir à conduta do
agente sem o conhecimento deste, visto não ser necessário um ajuste prévio
entre eles[1].
Alguns alunos fizeram referência ao cometimento dos
crimes de falsificação de documento por parte de FERNANDA e de ocultação de
cadáver por parte de SAULO. Esse ponto não foi cobrado, visto que se trata de
crimes que ainda não foram estudados pela turma.
Desde já se esclarece, contudo, que seria possível
reconhecer que FERNANDA incidiu no crime do art. 298 do Código Penal
(falsificação de documento particular) por ter falsificado um bilhete, porém
poder-se-ia também defender que tal crime foi absorvido pelo crime-fim
pretendido pela agente (homicídio) por força do princípio da consunção. A
discussão, no entanto, geraria polêmica.
Quanto à ocultação de cadáver (art. 211 do CP),
necessário observar que o tipo prevê a seguinte conduta: “Art. 211. Destruir,
subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele”.
Em um primeiro momento devemos refletir que o objeto
material desse crime é o cadáver (corpo humano sem vida) ou parte
dele. Referida constatação levaria, em príncípio, à conclusão de que se
não havia cadáver no momento da ação tornar-se-ia impossível a consumação do
delito por impropriedade do objeto (art. 17 do CP), pois quando SAULO enterrou
a vítima, a mesma ainda estava viva.
Ensinam Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de
Molina (2007, v. 2, p. 490), contudo, que a impropriedade do objeto, para
o crime se reputar como impossível deve ser absoluta, e ainda, que essa
verificação de impropriedade absoluta deve ser feita ex post factum
(após a realização do fato). No mesmo sentido a doutrina da Guilherme de Souza
Nucci (2006, p. 183), que também afirma que a averiguação de idoneidade do
objeto deve ser feita após a ocorrência do fato, dizendo ele que este:
"trata-se do único método seguro para analisar se o objeto era, realmente,
absoluta ou relativamente impróprio [...]".
Nesse andar, se formos averiguar o objeto material do
crime do art. 211 do CP depois da ocorrência do fato hipotético em comento,
chegaremos à conclusão que o mesmo foi atingido, visto que apesar da vítima
ainda estar viva quando SAULO lhe enterrou, lá ela morreu e se transformou em
um cadáver que ficou oculto; conformando-se o resultado, assim, com o dolo do
agente (que era ocultar um cadáver, que em um momento inicial ainda não
existia, mas que depois passou a existir).
Assim, pode-se defender que, no caso, tenha ocorrido
homicídio em concurso com ocultação de cadáver, sendo que este último crime
pode ser atribuído apenas a SAULO. Esse entendimento é simétrico aos
ensinamentos de Rogério Greco (2010, v. I, p. 591), conforme segue: "Pode
acontecer, ainda, que ocorra um resultado aberrante também na hipótese em que o
agente, após efetuar dois disparos, supondo já ter causado a morte da vítima,
com a finalidade de ocultar o suposto cadáver, coloca-a em uma cova,
enterrando-a, sendo que esta, na verdade, ainda se encontra viva, vindo,
contudo, a morrer asfixiada. [...] havendo o 'dolus generalis', o agente deverá
ser responsabilizado pelo seu dolo inicial, ou seja, se pretendia causar a
morte com os disparos por ele efetuados, mas se esta somente ocorreu depois que
a vítima fora enterrada e asfixiada, continuará a ser responsabilizado por um
único crime de homicídio doloso consumado, além do delito de ocultação de
cadáver".
Continuando a responder os demais questionamentos, repise-se
que o homicídio, no qual figura SAULO como autor e FERNANDA como partícipe, se
consumou, pois foi produzido o resultado lesivo pretendido (qual seja: morte de
ROBERTO).
É bem verdade que ocorreu o fenômeno do aberratio
causae, porém isso não interfere na responsabilização penal primária,
segundo bem explica Fernando Capez (2003, v. 1, p. 190):
Dolo geral, erro
sucessivo ou “aberratio causae”: quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido
o resultado, pratica o que entende ser um exaurimento e nesse momento atinge a
consumação. Exemplo: um perverso genro, logo após envenenar sua sogra,
acreditando-a morta, joga-a, o que supunha ser um cadáver, nas profundezas do
mar. A vítima, no entanto, ainda se encontrava viva, ao contrário do que
imaginava o autor, vindo, por conseguinte, a morrer afogada. Operou-se um
equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensava tê-la matado por afogamento.
No momento em que imaginava estar simplesmente ocultando um cadáver, atingia a
consumação. Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é
que o agente queria matar, e acabou, efetivamente, fazendo-o, não interessando
se houve erro quanto à causa geradora do resultado morte. O dolo é geral e
abrange toda a situação, até a consumação, devendo o sujeito ser
responsabilizado por homicídio doloso consumado, desprezando-se o erro
incidente sobre o nexo causal, por se tratar de um erro meramente acidental.
Mais. Leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente (emprego de veneno),
para fins de qualificar o homicídio, e não aquele que, acidentalmente, acabou
empregando (asfixia por afogamento).
Quanto à indagação, se deve ser reconhecido algum
privilégio e/ou qualificadora no caso, de início cabe afastar a incidência da
asfixia como circunstância qualificadora; pois o agente não responde para esse
efeito pela causa real da morte (no caso, asfixia), mas sim pela causa através
da qual pretendida provocar o óbito (ou seja, esfaqueamento). Fundamenta-se tal
posição na doutrina transcrita imediatamente acima.
Analisando a presença de outra(s) qualificadora(s),
observei que alguns alunos mencionaram a ocorrência de motivo torpe (art. 121,
§ 2º, I, do CP) por conta de eventual ganância de SAULO que teria motivado o
crime, considerando que se sua mãe casasse com ROBERTO teria sua herança
reduzida.
Deve ser observado, porém, que a questão não trouxe
nenhum elemento que pudesse permitir, com segurança, a conclusão que havia esse
sentimento de ganância. Pelo contrário, o enunciado deixa evidente que a
motivação do agente era evitar que sua mãe fosse enganada. É claro que se o
caso fosse real, caberia forte discussão sobre a presença ou não da ganância.
Aqui se trata, porém, de uma questão hipotética, na qual devemos nos prender ao
que consta no enunciado. E, na presente situação o enunciado não permite,
implícita o explicitamente, detectar a presença da ganância como motivadora da
ação do agente.
Quanto ao ciúme que também acabou funcionando como causa
motivadora do crime, o mesmo também não leva à configuração de motivo torpe nem
fútil, segundo já assentado na doutrina[2].
Ressalto, outrossim, que o fato do aluno defender a
presença da qualificadora do motivo torpe na situação não foi determinante na
escolha das melhores respostas, visto que se trata de um aspecto secundário.
Quanto à presença ou não de privilégio, importante
pontuar que SAULO agiu tentando proteger sua mãe e também, de certa forma,
influenciado ou acometido por violenta emoção.
Deve ser observado, não obstante, que apesar de haver um
motivo aparentemente nobre para o cometimento do crime (querer proteger a mãe
de um conquistador) este motivo não chega a configurar um relevante valor social ou moral. A
expressão “relevante” é importantíssima nesse contexto; segundo bem leciona
Cezar Roberto Bitencourt (2010, v. 2, p. 203):
É insuficiente, porém, para o reconhecimento da
privilegiadora o valor social ou moral do motivo: é indispensável que se trate
de valor relevante, como destaca o texto legal. E a relevância desse
valor, social ou moral, é avaliada de acordo com a sensibilidade média da
sociedade e não apenas segundo a sensibilidade maior ou menor do sujeito ativo,
embora não se possa esquecer que a relevância do valor social ou moral é
subjetiva e não puramente objetiva, segundo os padrões da sociedade e não
conforme o entendimento pessoal do agente.
Desse modo, sob o ponto de vista subjetivo da sociedade
como um todo, segundo me parece, não havia esse valor relevante
determinando a conduta de SAULO.
Quanto a eventual violenta emoção do agente,
independentemente de se analisar se ela existiu ou não, descarta-se de imediato
a sua incidência, visto que ela não foi motivada por injusta provocação da
vítima.
Por fim, ressalto que percebi que alguns alunos fizeram
também, em suas respostas, referências a circunstâncias agravantes e
atenuantes. Não vou, contudo, aqui analisá-las, visto que o enunciado não
exigia a identificação das mesmas.
Feitas as considerações supra (que valem como
fundamentação), temos, em síntese, as seguintes respostas conclusivas:
1) SAULO e/ou FERNANDA cometeram algum crime?
Resposta: sim.
2) Caso positivo, qual?
Resposta: crime de homicídio.
3) Tentado ou consumado?
Resposta: consumado.
4) Deve ser reconhecido algum privilégio e/ou qualificadora no caso?
Resposta: não.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
NUCCI, Guilherme de
Souza. Código penal comentado. 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT,
2006.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte geral,
vol. I. 12ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói : Impetus, 2010.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial,
vol. II. 7ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói : Impetus, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral,
v. 1. 6ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal –
parte especial, v. 2. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos. Direito penal - parte geral. v. 2. São Paulo: RT, 2007.
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos. Direito penal - parte geral. v. 2. São Paulo: RT, 2007.
[1] Nesse sentido: NUCCI,
2006, p. 270.
[2] (NUCCI, 2006, p. 533).
3 comentários:
1.
Anônimo19/9/11 16:59
2.
Anônimo28/9/11 22:13
A qualificadora a qual voce esta se referindo (asfixia), nao se
enquadra neste caso,pelo fato do agente NAO TER PRETENDIDO matar por asfixia.
(Só ficou ciente da asfixia depois do ocorrido).
3.
Anônimo10/3/12 21:14
Ótimo exercício para se constatar uma bela premissa no tocante às
questões discursivas..."Se atenha tão somente ao enunciado..." O
excesso em muitos casos ocasiona o erro, vez que um instituto possibilita
inúmeras interpretações em sentido contrário, alterando totalmente a
fundamentação da resposta...É, cuidado com as "datas vênias" e boa
sorte...
9 - Olegário (25a) é travesti. Certa feita, vai a uma pizzaria da
cidade vestido com trajes inadequados. Silvana (30a), na mesa vizinha, o
ridiculariza. Olegário parte pra briga com Silvana e, usando de uma navalha que
trazia escondida dentro de sua bolsa, produz profundo corte no rosto de
Silvana. Mas os problemas não pararam por aí… Contido por policiais e levado ao
hospital, já que também foi lesionado pelos policiais que tiveram de contê-lo,
Olegário briga com uma enfermeira, diz que é soropositivo, toma de uma injeção
que tentaram aplicar-lhe (os enfermeiros já estavam administrando o
medicamento) e perfura o braço da enfermeira. Em que pese Olegário fosse mesmo
soropositivo, felizmente a enfermeira não foi contaminada porque tomou a tempo
o coquetel anti-aids;
Resposta: Olegário: art. 129, parágrafo 2o., inc. IV (em
relação à vítima Silvana); 129, parágrafo 2o., inc. II, c.c. 14, II CP, em
relação à enfermeira (há quem entenda que há tentativa de homicídio – Damásio).
Silvana injuriou Olegário, pelo que também cometeu crime, previsto no artigo
140 CP.
10 - JORGE é uma pessoa má e sem caráter, que sempre que pode
prejudica outra pessoa. Percebendo que IVETE está muito triste e deprimida
porque foi abandonada por MATEUS, JORGE inventa uma série de supostas traições
praticadas por MATEUS que fazem IVETE sentir-se ainda mais desprezível, bem
como deturpa várias histórias de modo que IVETE pense que nenhum de seus amigos
realmente gosta dela.
Por causa das conversas que mantém com JORGE, IVETE desenvolve o
desejo de autodestruição. Percebendo isso, JORGE continua estimulando seu
comportamento autodestrutivo. Quando IVETE já está absolutamente desolada,
JORGE se oferece para ajudá-la a suicidar-se, e ensina IVETE a fazer um nó de
forca com uma corda para se matar.
No
dia seguinte, IVETE prepara todo o cenário do suicídio, deixando inclusive uma
carta para MATEUS, acusando-o de causar sua morte. Vai até a casa de MATEUS,
amarra a corda na viga da varanda, sobe em um banco, coloca a corda no pescoço
e pula para a morte. Por causa do seu peso, a viga de madeira onde estava a
corda se quebra e IVETE apenas cai no chão. Como consequência da tentativa
frustrada de suicídio, IVETE sofre apenas arranhões leves;
Resposta: atípico penal em relação ao crime do artigo 122 CP, que só
se concretiza se a vítima morrer ou ficar gravemente lesionada. Mas Jorge
cometeu o crime de difamação, artigo 139 CP, em relação a Mateus.
11
- CACÁ DEPRESSIVO contratou JUVENAL MERCENÁRIO, dizendo-lhe que queria que
JUVENAL matasse um inimigo dele, e que pagaria uma boa soma em dinheiro por
isso. Aceito o serviço e pago o combinado, JUVENAL MERCENÁRIO, aproveitando-se
da escuridão da noite, devidamente escondido, alvejou a pessoa que CACÁ lhe
assegurara passaria pelo local apontado. Após o fato, verificou-se que a vítima
alcançada fora o próprio CACÁ DEPRESSIVO, que sobreviveu, mas ficou com
deformidade permanente. Na realidade, CACÁ, desiludido da vida que levava,
contratara a própria morte, já que não tinha coragem de se matar, detalhe que
JUVENAL desconhecia, acreditando tratar-se de um suposto inimigo de CACÁ. Em
vista dos fatos, JUVENAL praticou (MP-PA 2000);
Resposta: Juvenal – Artigo 121, parágrafo 2º., incisos I e IV CP
c.c. 14 II CP. A questão não menciona se Juvenal tinha porte de arma, mas se
não tivesse, ainda responderia pelo crime do artigo 14 (ou 16), da lei
10.826/2003, tudo c.c. artigo 69 CP. Comentários: ainda guardo dúvida se o fato
de CACÁ DEPRESSIVO ter pago o homicídio
dele próprio, enganando JUVENAL, isso não faria
com que não mais incidisse a qualificadora do inciso I, do parágrafo 2º,
do art. 121 CP, que exige a veracidade da mercancia do crime, contudo isso é
tema pra se debater em plenário de júri, não em questão de enquadramento penal.
Lembro, ainda, que houve quem citasse em sua resposta, artigo referente ao erro,
artigo 20 parágrafo 3º., CP, que ao meu ver, não cabe no caso, já que o erro
foi determinado por CACÁ, que só não responde por isso, por ser justamente a
própria vítima. Em tempo: CACÁ não responde por crime nenhum, porque em última
análise estaria cometendo quase um suicídio.
Informo que também coletei essa a questão do blog do professor
Gecivaldo, onde fora proposta na forma de múltipla escolha:
“18 -.CACÁ DEPRESSIVO contratou JUVENAL MERCENÁRIO,
dizendo-lhe que queria que JUVENAL matasse um inimigo dele, e que pagaria uma
boa soma em dinheiro por isso. Aceito o serviço e pago o combinado, JUVENAL
MERCENÁRIO, aproveitando-se da escuridão da noite, devidamente escondido,
alvejou a pessoa que CACÁ lhe assegurara passaria pelo local apontado. Após o
fato, verificou-se que a vítima alcançada fora o próprio CACÁ DEPRESSIVO, que
sobreviveu, mas ficou com deformidade permanente. Na realidade, CACÁ,
desiludido da vida que levava, contratara a própria morte, já que não tinha
coragem de se matar, detalhe que JUVENAL desconhecia, acreditando tratar-se de
um suposto inimigo de CACÁ. Em vista dos fatos, JUVENAL praticou (MP-PA 2000):
a) Lesão corporal consumada, e CACÁ praticou tentativa
de homicídio consentido.
b) Tentativa de homicídio qualificado, mediante erro
provocado por terceiro, e CACÁ praticou tentativa de homicídio.
c) Favorecimento ao suicídio, e CACÁ praticou
auto-lesão.
d) Tentativa de homicídio qualificado, e CACÁ praticou
favorecimento ao suicídio.
Xe) Tentativa de homicídio qualificado, e CACÁ não
praticou crime.
Responsta: E.
Créditos: http://professorgecivaldo.blogspot.com/2010/01/questoes-de-concursos-arts-121-129-do.html”
12
– Silviane, mãe de Isaurinha (13 anos de idade) a levou a um médico para
realizar um aborto, já que Isaurinha engravidou de seu namorado, Rafinha (16
anos). Mesmo sem a permissão de
Isaurinha, o aborto foi realizado pelo médico Eustáquio.
R: atípico penal. Como foi ministrado em aula, menor de 14 anos, que
engravida, mesmo de relação sexual consentida, é vítima de estupro de
vulnerável e cabe aos pais avaliar a pertinência de um aborto.
II
– Questões dissertativas ( seja conciso!):
13
– Conforme as aulas ministradas, matar por ciúmes pode gerar a qualificadora do
motivo fútil? (0.5 ponto);
RESPOSTA: HÁ DUAS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS. A PRIMEIRA, QUE OS CÍUMES
NÃO QUALIFICAM O CRIME DE HOMICÍDIO POR MOTIVO FÚTIL; A SEGUNDA, QUE QUALIFICA,
QUANDO TEVE ORIGEM ( A CRISE DE CIÚMES) EM MOTIVO FÚTIL, COMO QUANDO O NAMORADO
MATA A NAMORADA PORQUE OLHOU PARA OUTRO HOMEM.
14
– Defina vitriolagem. (0.5 ponto);
RESPOSTA: SÃO LESÕES CARACTERÍSTICAS DE QUEIMADURAS POR ÁCIDOS, QUE
EM CONTATO COM A PELE, CORRÓI, ASSEMELHANDO À GOTAS DE VIDRO, DAÍ O TERMO
VITRIOLAGEM.
15
– Defina distanasia. (0.5 ponto);
RESPOSTA: É A PERSISTÊNCIA TERAPÊUTICA EM PACIENTE EM ESTADO
TERMINAL, QUE FAZ PROLONGAR A VIDA DO MESMO, COM SOFRIMENTO.
16
– O crime do artigo 122 CP admite tentativa? Explique. (0.5 ponto);
RESPOSTA: NÃO. ESSE TIPO PENAL EXIGE UM RESULTADO, MORTE OU LESÃO
GRAVE DA VÍTIMA, SENDO QUE SE ISSO NÃO OCORRER, NEM TENTATIVA HÁ.
17
– Quais as principais diferenças no processo criminal, quando se tratar de
crime de lesão corporal de natureza leve, quando a vítima for homem e quando a
vítima for mulher (crimes estes praticado no âmbito doméstico) – (1.0 ponto);
RESPOSTA: COMO MINISTRADO EM AULA, O CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE,
QUANDO A VÍTIMA FOR MULHER, E O CRIME FOR COMETIDO DENTRO DO ÂMBITO DOMÉSTICO,
A AÇÃO PENAL PASSA A SER PÚBLICA INCONDICIONADA, NÃO TRAMITARÁ EM JECRIM, O
DELEGADO TEM DE INSTAURAR INQUÉRITO POLICIAL CONTRA O AGRESSOR, NÃO EXISTE
TRANSAÇÃO PENAL, NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE APLICAR PENAS DE MULTA E CESTAS
BÁSICAS; JÁ SE A VÍTIMA FOR HOMEM, A AÇÃO É PÚBLICA CONDICIONADA À
REPRESENTAÇÃO, DELEGADO LAVRA TCO E ENVIA PARA UM JECRIM (JUIZADO CRIMINAL),
PODE HAVER TRANSAÇÃO PENAL, SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, APLICAÇÃO DE
PENAS RESTRITIVAS COMO MULTA E CESTA BÁSICA.
18
– Quais as diferenças de crime de racismo, para crime de injúria racial. Qual o
fundamento legal de ambos os crimes? (1.0 ponto).
RESPOSTA: O RACISMO ESTÁ PREVISTO NA LEI 7.716, ARTIGO, 5, 7, 8...
VEM A SER O CRIME DE RECUSAR ATENDIMENTO, IMPEDIR ACESSO DE UMA PESSOA, POR
CONTA DE SUA RAÇA (RAÇA, COR, ETNIA, RELIGIÃO, PROCEDÊNCIA NACIONAL), CRIME ESSE QUE ATINGE TODA UMA RAÇA; JÁ A INJÚRIA COM
ELEMENTO RACIAL, ESTÁ PREVISTA NO ARTIGO 140, PARÁGRAFO 3º. DO CÓDIGO PENAL, E
VEM A SER A OFENSA À UMA PESSOA, OU À DUAS OU MAIS PESSOAS, MAS SEMPRE PEQUENO
GRUPO, USANDO DE ELEMENTOS RACIAIS.
-
Prova sem consulta às doutrinas;
-
Não se permite o uso de celulares, tablets, notebooks, i-pads etc, durante a
realização da prova;
-
Prova individual;
-
As questões devem ser respondidas à caneta (azul ou preta).
Boa
prova!
Art 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
[...]
Homicídio qualificado
[...]
§ 2° Se o homicídio é cometido:
[...]
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
[...]