Atendendo a inúmeros pedidos, inclusive de colegas
advogados, volto a abordar a questão da concessão do livramento condicional, ao
apenado reincidente em crime comum e doloso, que tenha cometido mais de uma infração penal comum e dolosa,
sobre saber se devemos calcular 1/2 de
todas as penas, com fulcro no artigo 83, inciso II, CP ou 1/3 da primeira pena
(aquela referente ao crime no qual ainda era primário) e 1/2 das penas
remanescentes.
Tentarei ser o mais didático possível, apresentando
aos senhores uma situação hipotética para análise:
“Pablo (nome fictício), 32 anos de idade, cometeu 3
crimes tipificados no artigo 157, parágrafo 2º, inciso I, em cidades diferentes do Estado do
Mato Grosso do Sul, crimes estes cometidos em 23.3.2006, 10.1. 2007, 20.2.2008.
Os dois últimos crimes foram praticados em condição de reincidência, em relação
ao crime cometido em 23.3.2006. Quanto de suas penas, Pablo terá de cumprir
para conquistar o livramento condicional?
a) 1/3 da pena do crime cometido em 23.3.2006 e mais
1/2 das penas dos crimes cometidos em 10.1.2007 e 20.2.2008, uma vez que era
ainda primário quando cometeu o primeiro crime?
Ou
b) 1/2 das penas dos três crimes, já que ao
reincidir, ele mostrou que não merece o benefício de cumprir apenas 1/3 do
primeiro crime, mas metade de todos?”.
Na minha mui modesta opinião, correta é a solução “a”,
porque admitir-se a “b” seria realizar uma retroatividade prejudicial ao
apenado. Seria ignorar a teoria da atividade, adotada em se tratando de tempo
do crime (art. 4º. CP), pois quando Pablo cometeu o primeiro crime, ainda era
primário.
Não tem lei que solucione o impasse e ao meu ver, no
caso, deve ser invocado a benefício de Pablo o princípio do “in dúbio pro reo”.
PRIMEIRO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL:
Não obstante isso, o STJ já acolheu a solução “b”,
como ficou claro nesse julgado:
“STJ - HABEAS CORPUS HC 95505 RS 2007/0282772-1 (STJ)
Data de Publicação: 01/02/2010
Ementa: HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO
CONDICIONAL. CÁLCULO DO TEMPO NECESSÁRIO AO BENEFÍCIO. INCIDENTE SOBRE O
MONTANTE OBTIDO PELA REUNIÃO DAS EXECUÇÕES. ART. 84 DO CP . REINCIDÊNCIA EM
CRIME DOLOSO. LAPSO DE 1/2 (UM MEIO). ORDEM DENEGADA. 1. É assente neste
Tribunal o entendimento de que havendo várias condenações deve se proceder a
soma das penas, realizando-se o cálculo do requisito objetivo exigido ao
livramento condicional sobre o montante obtido (art. 84 do Código Penal ). 2.
In casu, sendo o paciente reincidente em crime doloso, deve ser adotado o lapso
preconizado no art. 83, II, do Código Penal, impondo-se o transcurso do patamar
de 1/2 (um meio) da sanção para a
obtenção da liberdade clausulada, não
havendo de se cogitar na aplicação concomitante do patamar de 1/3 (um terço)
para a execução de pena aplicada ao tempo em que o réu ostentava a primariedade
e de 1/2 (um meio) para as demais
execuções. 3. Ordem denegada. ACÓRDÃO (...). Brasília (DF) 29 de outubro de
2009. (Data do Julgamento). Relator Ministro Jorge Mussi”. (negritei)
SEGUNDO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL:
Noutra
linha, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo que
peço vênia para citar o julgado na íntegra:
JULGADO:
AGRAVO em
EXECUÇÃO. livramento condicional. requisito OBJETIVO. IMPLEMENTAÇÃO.
O prazo
para a concessão do livramento condicional começa a correr do início do
cumprimento da pena, contados os prazos para cada pena, separadamente.
AGRAVO
DESPROVIDO.
Agravo
em Execução
|
Terceira
Câmara Criminal
|
Nº
70045482718
|
Comarca
de Ijuí
|
MINISTERIO
PUBLICO
|
AGRAVANTE
|
CRISTIANO
DA ROCHA
|
AGRAVADO
|
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos os autos.
Acordam
os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo em execução.
Custas na
forma da lei.
Participaram
do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Ivan Leomar Bruxel (Presidente) e Des.
Francesco Conti.
Porto
Alegre, 09 de fevereiro de 2012.
DES.
NEREU JOSÉ GIACOMOLLI,
Relator.
RELATÓRIO
Des.
Nereu José Giacomolli (RELATOR)
Trata-se
de agravo em execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor de
CRISTIANO DA ROCHA contra decisão do Juízo da Vara de Execuções Criminais da
Comarca de Ijuí que concedeu o livramento condicional ao apenado (fl. 18).
Em razões
recursais, o órgão acusador postulou a cassação da decisão que concedeu o
livramento condicional pela ausência do requisito objetivo. Argumentou que o
cálculo para a concessão deve ser feito em relação à pena total, ao contrário
do decidido pelo juízo a quo (fls. 04
a 07). Ofertadas as contrarrazões (fls. 21 a 23) e mantida a decisão (fl. 24),
subiram os autos.
Nesta
Corte, o digno Procurador de Justiça, Dr. Roberto Neumann, opinou pelo
provimento do presente agravo em execução (fls. 26 a 28).
É o
relatório.
VOTOS
Des.
Nereu José Giacomolli (RELATOR)
Eminentes
Colegas:
A
irresignação da acusação cinge-se ao preenchimento ou não do requisito temporal
do livramento condicional.
A decisão
a quo assim decidiu a questão:
Vistos.
Trata-se
de analisar o pedido de livramento condicional formulado pela Defensoria
Pública em favor de Cristiano da Rocha, que cumpre pena de 12 anos e 1 mês, por
duas condenações transitadas em julgado.
A pena em
regime aberto começou a ser cumprida em 13.08.2007, usufruindo o apenado o
trabalho externo.
Com vista
o Ministério Público opinou pelo indeferimento do livramento condicional por
ser o apenado reincidente.
É o breve
relato.
Decido.
Incidiu o
Ministério Público ao sustentar simplesmente que o apenado é reincidente.
De efeito, em relação aos dois
delitos pelos quais ele foi condenado efetivamente foi reconhecida a
reincidência.
No entanto, o cálculo das frações
para o livramento condicional deve ser feito considerando cada pena
isoladamente.
Portanto
como o apenado já cumpriu mais de 1/3 (um terço) da condenação em que era
primário, somado a metade da outra em que foi reconhecida a reincidência,
conclui-se que se encontra implementado o requisito objetivo, nos exatos termos
do cálculo lançado ás fls. 529/530.
Além
disso ostenta bom comportamento carcerário (fls. 424/425).
Em razão
disso presentes os requisitos legais CONCEDO O LIVRAMENTO CONDICIONAL ao
apenado, que fica subordinado ao cumprimento das seguintes condições, nos
termos do art. 132 da Lei de Execuções Penais:
a) obter ocupação lícita;
b) apresentar-se bimestralmente, em juízo para informar o local em que
reside e qual o trabalho que exerce e respectivo endereço;
c) não mudar da comarca do Juízo da Execução, sem prévias autorização;
d) não mudar de residência sem prévia comunicação e autorização do juízo.
Expeça-se
carta de livramento, como determina o artigo 136 da Lei nº 7.210/84.
Analisando
os autos, verifico que não merece reparos a decisão a quo.
O
livramento condicional será concedido para o apenado que implementar os
requisitos objetivos e subjetivos. No caso dos autos, a discussão se da em
torno de já ter o apenado implementado o requisito temporal ou não.
Com
efeito, o artigo 83, II, do Código Penal é claro ao firmar que:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena
privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
I –
cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime
doloso e tiver bons antecedentes;
II –
cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;
O apenado
está cumprindo pena por estelionatos, receptação, furtos e roubos. A
implementação do requisito temporal se deu, segundo o expediente do apenado em
20.06.2011.
Cristiano
da Rocha iniciou o cumprimento da pena em 13.08.2007. Esta totaliza 12 anos e
01 mês de reclusão, sendo 09 anos e 06 meses relativos ao delito pelo qual era
primário e 02 anos e 07 meses pelo reincidente.
O termo
inicial para a contagem do prazo para a concessão do livramento condicional é o
início do cumprimento da pena, devendo ser feito o cálculo das frações
considerando cada pena isoladamente.
Isso posto, voto por negar provimento ao agravo em
execução.
Des.
Francesco Conti - De acordo com o
Relator.
Des. Ivan
Leomar Bruxel (PRESIDENTE) - De acordo
com o Relator.
DES. IVAN
LEOMAR BRUXEL - Presidente - Agravo em
Execução nº 70045482718, Comarca de Ijuí: "À UNANIMIDADE, NEGARAM
PROVIMENTO AO AGRAVO EM EXECUÇÃO."
Julgador(a)
de 1º Grau: VINICIUS BORBA PAZ LEAO”.
....
CONCLUSÃO:
Estamos
diante de mais um ponto nebuloso em se tratando de cálculo de execução penal.
Uma
situação na qual não há lei que solucione o impasse e uma situação que vem
sendo resolvida, não raro, a desfavor do réu, ao arrepio do princípio da
irretroatividade de lei (ou entendimento, ou decisão) mais severa, ao arrepio
do princípio do “in dúbio pro reo”, enfim, esperamos que a situação seja
sumulada pelo STF e a favor dos apenados.
Professor
André Greff.
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